quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Se as canções são todas feitas pra você

Quantas vezes você não sonhou com aquele alguém que cantaria no seu ouvido algo assim:
“Você vai ter que encontrar/ aonde nasce a fonte do ser/ e perceber meu coração/ bater mais forte só por você /o mundo lá sempre a rodar/ e em cima dele tudo vale/ quem sabe isso quer dizer amor/ estrada de fazer o sonho acontecer”.

O amor através da música. Ouvir na voz da pessoa que ama que “você é todas elas juntas num só ser”, melhor ainda se ele compuser a música pensando em você...

Achei que finalmente tinha chegado a uma fase da minha vida na qual o romantismo teria dado lugar ao pragmatismo e que não iria mais querer sentimentos de novela...Ledo engano. Meu tolo coração romântico insiste em acreditar que ainda vai chegar aquele cara que vai cantar, olhando nos meus olhos, e eu vou ter certeza que ele realmente canta pra mim. Mesmo que a música não seja dele.

A música constrói o início de muitas história de amor. Eu mesma já me apaixonei através de canções. A cada dia uma diferente e era sempre lindo, mas ilusório. Porque por mais que se falasse das canções, por mais que eu as escutasse, não acho que eram realmente “para mim”, nunca foram olhando nos meus olhos e dizendo as palavras, uma a uma, pra que eu me sentisse única e especial. E quando chega ao fim, a gente olha para trás e percebe que não era realmente pra ser. E novamente vem a música:

“Ficou difícil / Tudo aquilo, nada disso/ Sobrou meu velho vício de sonhar / Pular de precipício em precipício /Ossos do ofício / Pagar pra ver o invisível / E depois enxergar /Que é uma pena/ Mas você não vale a pena(...)”

O problema (será um problema?) é que não quero deixar de sonhar, não quero esquecer que um dia acreditei que chegaria aquele que olharia pra mim e me “cantaria”, nas palavras do Caetano...Totalmente Demais. Acontece que pra esse alguém eu mesma sentirei uma louca vontade de dizer (não vou cantar, porque senão corro o risco de que ele saia correndo...):

“Tanto amei /e fiz tantos planos/ que perdi a paz/ só achei enganos/ tanto procurei/ em vão/ que já não pensava/ em achar o amor/ quando o amor me achava/ Quase por acaso /quase madrugada/ quase deu em nada /quase tudo se perdeu /quase como um filme/ Meu coração /nunca mais /vai bater/ com medo /vai sofrer de amor/ vai morrer de tédio / agradeço a Deus/ e aos céus /ao destino e à sorte/ por trazer você/ para a minha cama/ para minha mesa / para a minha casa/ para a minha vida/ para toda vida/ sim, vai nascer o dia /Bom dia, amor”

Talvez a musica consiga dizer o que nas nossas próprias palavras fica difícil, quase impossível. Usar as palavras de outra pessoa pra expressarmos aquilo que vai dentro da gente deve ser tão antigo quanto o próprio ato de escrever, mas nunca deixa de nos emocionar ler ou ouvir certas palavras, frases, canções. E quando acaba aquele amor, guardamos as cartas e canções numa caixa rosa no fundo do armário. Ou no fundo do coração.

“Cê sabe que as canções são todas feitas pra você/ E vivo porque acredito nesse nosso doido amor /Não vê que ta errado, tá errado me querer quando convém /E se eu não estou enganado acho que você me ama também(...)
(...) E eu não quero ir, não posso ir pra lado algum / Enquanto não voltar / Não quero que isso aqui dentro de mim /Vá embora e tome outro lugar/ Talvez a vida mude e nossa estrada pode se cruzar(...)”



* As musicas citadas são, respectivamente:
Quem sabe isso quer dizer amor -Lô e Marcio Borges, gravada por Milton Nascimento
Não vale a pena – Jean e Paul Garfunkel, gravada por Maria Rita
Minha Casa, Minha Cama, Minha Mesa – Ed Motta
Outro Lugar – Elder Costa , gravada por Milton Nascimento

terça-feira, 25 de setembro de 2007

I am Carrie




“ Eram tantas as coisas que eu não tinha feito … Nunca estive na Grécia, não tinha terminado de pintar as paredes do banheiro, não tinha estourado o cartão de credito. Diabos! As vezes me parecia que a única coisa que eu fazia era deixar a vida correr...”
(Carrie Bradshaw)

Durante um tempo, devido a particulares circunstâncias, passava minhas tardes na frente da televisão. E não posso negar que assistir tanta TV às vezes me fez pensar. Inclusive as séries de TV. Não todas as series, mais precisamente Sex and The City.

Já gostava do programa antes, mas nunca tinha me dado conta de como me identificava...Sei que não sou a única, que é uma série de tv feita exatamente pra isso, fazer com que as mulheres solteiras se identifiquem, mas isso não muda o fato que acompanhar as venturas e desventuras de Carrie e suas amigas me fez pensar pensar, principalmente em como vivo minha vida.

Algumas pessoas se transformaram ao ler um livro, ao ver uma cidade, ou uma obra de arte que marcou de forma indelével. Eu sou filha da primeira geração da babá eletrônica, aquele brilho azul que hipnotiza as crianças ( e os adultos), então não me envergonho de rever minha vida à luz de uma serie televisiva.

As vezes é como se aquelas historias sobre as quais escreve Carrie tivessem sido escritas por mim, falando das minhas amigas. O que me faz pensar: Será que as todas as mulheres solteiras de 30 e poucos anos do mundo são moradoras de Nova York, com sandálias grifadas nos pés, ou aquela roteirista encontrou a chave da psicologia feminina?

As vezes é como se tivesse vivido aquelas historias, ou no mínimo conhecesse alguém próximo que tivesse passado por algo bem parecido. Não me impressiona o fato que a maioria dos homens não consiga achar divertidas as tiradas das quatro amigas, e não consigam entender o espírito da serie. Mas afinal, se conseguissem entender, que mulher precisaria se identificar com Carrie???????

“A única coisa que busco e o amor total, ridículo, incômodo, que te consome e não te deixa pensar em nada mais…”

E claro que é uma generalização, nem todas as mulheres de trinta anos são como Carrie, ou Samantha, ou Miranda ( a maioria é como Charlotte, disso eu tenho certeza). Mas é impossível não se identificar com uma delas, e não se dar conta que você encontra todas de uma maneira ou de outra entre suas amigas. Pode ser que você não tenha uma amiga ninfomaníaca e liberada como Samantha, mas alguma que passa bem próximo, com certeza. Miranda...bem, essa é mais fácil ainda de encontrar. Não precisa nem mudar a profissão, com certeza tem aquela sua amiga advogada, workaholic e cínica, que alguns anos atrás era A B S O L U T A M E N T E contra o matrimônio e os filhos, mas que de repente conheceu aquele, “the one”, e agora está pronta pra se transferir para aquele condomínio fechado lindíssimo, e é claro reduzir um pouco o ritmo de trabalho, afinal, não é mais uma mocinha, e a vida te da outras prioridades...

Charlotte, essa tem em toda esquina. E no seu circúlo mais fechado de grandes amigas tem sempre uma, aquela otimista, com o coração de Pollyana e que esta sempre esperando que chegue o príncipe encantado, mesmo que ele seja baixinho, gordinho, careca e advogado....

Carrie...bem, eu sou Carrie. Sem as sandálias Manolo ou a bolsa Fendi (mas com um armário cheio de outras sandálias e bolsas bem mais baratinhas). Também não sou uma escritora, minha profissão é outra. O que me liga a Carrie é sua visão do mundo, das coisas e das pessoas. E aquele falso ar de quem tem tudo e é feliz, mas que na verdade gostaria de se Miranda, Samantha e Charlotte. Ao mesmo tempo.

A minha vida não é uma crônica novaiorquina, mas passa perto. Quantas vezes eu não me encantei com o homem errado, quantas vezes não acordei ao lado de algum que não me merecia, quantas noites passei em claro tentando entender porque ele não queria as mesmas coisas que eu. Quantas vezes chorei pensando porque tinha errado de novo, porque deveria começar tudo do zero mais uma vez?

“Ele se foi…e eu chorei durante uma semana. Então entendi que tenho fé. Fé em mim mesma.Fé que um dia encontrarei alguém pra quem serei eu aquela ideal...”.

Talvez seja isso que me liga a Carrie. No final das contas e apesar de tudo, eu também tenho fé. Fé que ainda conhecerei a Grécia, que terei o meu banheiro pra poder mudar a cor das paredes, que poderei estourar o limite do cartão de credito e ter como pagá-lo. E que um dia saberei com certeza que ele é “o cara”, pra quem eu serei aquela ideal, mesmo que não me convide pra viver com ele em Paris.

Mas acima de tudo, tenho fé nas minhas queridas amigas, que são a seu modo um pouco Charlotte, um pouco Miranda, um pouco Samantha. E que, assim como Carrie, posso contar com elas acima de tudo, pro que der e vier.

“ Talvez existam pessoas no mundo que te amam por aquilo que você é...eu encontrei três. Charlotte. Miranda e Samantha.”

(Escrita originalmente em set/2005)
Imagem: http://frweb.cs.uni-sb.de/~fries/Sex%20and%20the%20city.jpg

Palavras emprestadas

"Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia. (...) Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se da faca e da baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, de tanto acostumar, se perde de si mesma.

(Marina Colasanti)

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

De salto alto!



Quando você tinha 10 anos, seu pequeno coração já batia acelerado quando via os olhos azuis do Tom Cruise na tela do cinema, e você sonhava em se casar com ele.
Aos 15, você ainda suspirava pelo Tom Cruise, mas queria mesmo era se casar com aquele garoto que sentava na ultima fila, lá no fundão, e que era o mais bonito da sala. Secretamente você escrevia seu nome com o sobrenome dele pra ver como ficaria lindo depois que vocês se casassem e vivessem felizes para sempre.
Aos 20 você já tinha se apaixonado perdidamente, sofrido e jurado que nunca amaria de novo, que seu coração estava fechado e que não acreditava mais em príncipe encantado, cavalo branco e todas essas bobagens, porque já tinha beijado uma porção de sapos e nenhum deles passava perto do Tom Cruise...Mas no fundo, bem no fundinho do seu coração magoado, o sonho e a esperança ainda resistiam, de que “the one” estava lá fora, e que cedo ou tarde ele acabaria aparecendo...
Aos 25, e mais algumas cicatrizes, você tinha conhecido um sapinho legal, que também não tinha virado príncipe, mas... Ah!, ele era gentil, carinhoso, gente boa, bonitinho...Está certo que não fazia seu coração disparar e quase saltar pela boca, nem dava aquela sensação de borboletas no estomago, mas não se pode ter tudo, não é?
Chegaram os 30, o sapinho também se foi deixando umas belas cicatrizes, que com o tempo se juntarão a outras já mais esmaecidas. Mas deixou somente cicatrizes, nada mais. Nenhuma grande história pra contar, nem filhos, nem uma vida feita a dois. Você começa então a pensar se realmente um dia “the one” vai aparecer, se ele existe mesmo ou se é foi uma mentira muito bem contada, que a enganou por 30 anos....
E a cada nova queda, novas cicatrizes, você se pergunta se vai dar conta, se vai conseguir – e querer – colocar de novo o salto alto, pintar a boca de batom vermelho e ir à luta novamente. E nessas horas dói, e você olha pra trás e não consegue, por mais que tente, ver nada além de fracasso. Não vê os belos momentos, só a frustração por aquilo que não foi. Porque não deu certo? Onde foi que eu errei? Porque é sempre assim, ter que começar de novo, do zero?????
Aí você se lembra: Sou uma mulher independente, tenho meu carro, meu apartamento, meu trabalho, meus amigos que me amam, bom sexo de vez em quando (toda mulher tem o direito inalienável a um PA!), porque isso não é suficiente? Porque tem sempre essa falta de alguma coisa, daquele alguém?
É isso que você está se perguntando nesse momento, em que parece que vai começar tudo de novo, do zero, com o coração em pedaços.
De repente você tem trinta, e investiu os últimos dois ou três anos em uma historia que parecia fadada ao fracasso desde o início. Mas seu coração romântico investiu, e mesmo sabendo o que provavelmente aconteceria, você tentou. E agora sofre. Sofre por você e por ele. Pelo que foi e pelo que poderia ter sido. Mas acima de tudo, sofre pela historia. Por um conto de fadas sem final feliz.
E então, você tira do canto do armário aquele vestido decotado, calça suas maravilhosas sandálias de salto agulha, que podem ou não ser Manolo Blahnik, e se olha no espelho. Talvez não ainda...Vai demorar um pouco pra você conseguir sair de dentro de si mesma e enfrentar de novo o mundo. Mas o que importa é que seu coração continua o mesmo, talvez com umas cicatrizes profundas (afinal, não é todo mundo que tem o privilégio de ter um coração de adamantium). Ele ainda é o daquela garotinha que sonhava acordada com o príncipe encantado (melhor ainda se ele fosse o Tom Cruise!).

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Escrevendo


"Por que escrever é importante? Principalmente por vaidade, suponho. Mas quero ser essa pessoa, uma escritora, e não porque haja algo que eu deva dizer. No entanto, porque não haveria de ser assim? Com um pequeno fortalecimento do meu ego chegarei a confiar que eu (Eu) tenho algo a dizer, algo que deve ser dito."

Susan Sontag

Manual de comportamento sexual da garota moderna


O comportamento sexual do homo sapiens nunca deixa de ser motivo de debates, seja entre sociólogos, antropólogos, psicólogos (e todos aqueles para os quais o LOGOS é fundamental), seja numa mesa de bar ou num programa de TV. O meu interesse pelo o tema derivou de um desses programas de TV. Meu interesse nesse momento, bem entendido!

Estava numa preguiçosa manhã de domingo zappeando, quando me deparei com as 4 “meninas” do Saia Justa, falando de um tema, no mínimo, divertido: porque a mulher “liberal”, consciente do seu corpo e da sua busca pelo prazer assusta tanto aos homens?

Se você, moça dos seus 28-30 anos (um pouco mais, um pouco menos talvez...) se descobriu dona do seu nariz, senhora dos seus desejos, consciente do que quer e de como quer, descobriu também que essa liberdade tem um preço: Você afasta os “pretês”! Mas como assim? E a liberação feminina, direitos e deveres iguais, não serviram pra nada???

Pode até ter servido - um pouco - nos campos profissional e social, mas em se tratando de sexo e relacionamentos a coisa muda de figura... Os mocinhos MOOOORREM de medo dessa mulher! Eles não sabem, de verdade, o que fazer quando nós assumimos o controle da situação, se apavoram, escapam, falham. É claro que as exceções existem, mas a grande maioria simplesmente não consegue lidar com uma mulher “agressiva” sexualmente.

Ou seja, depois de tantas revoluções de costumes, eles ainda querem aquela mulher de outros tempos... Não precisa ter chegado virgem até ele, mas preferencialmente ter “passado” por dois ou três no máximo e, por favor, que não saiba o que é um “cesto chinês”, “borboleta voadora”, nem o “ypsilone duplo”! E que muito menos saia abrindo o zíper dele no primeiro encontro!!!!!

Dá pra entender??? Se eles se deparam com uma mulher que goste tanto de sexo quanto eles e que, pior, tome a iniciativa, em 90% dos casos não vai passar daquela noite...

Você não é mulher pra namorar, por dois motivos: você já “rodou” muito e tira dele a prerrogativa masculina de comandar. Essa de chamar as mulheres que tem uma experiência maior de rodada é o pior! Na contabilidade sexual masculina, ele ter ido pra cama com 100 mulheres trouxe experiência e know-how, você que em seus 30 anos transou com 15 caras é uma galinha (pra usar um termo “bonzinho”). E se além disso resolve quando e com quem quer ir pra cama e não relaciona sexo com amor... minha amiga, você é uma perdida!

Bom, eu sou esse tipo de mulher, segura do que quero e de quem sou, e aceito correr o “risco” de não encontrar um homem suficientemente maduro e bem resolvido para dar valor a essas características, um que não fique querendo saber do meu passado e que curta não tomar sempre a iniciativa... “Enquanto não encontro o cara certo, não deixo de me divertir com os errados!”, como dizia Mae West. Mas se você minha amiga, tem um coraçãozinho mais romântico que o meu e ainda quer achar o príncipe encantado, meus conselhos são os seguintes:

· Se ele perguntar quantos homens estiveram no seu passado, divida o número real por 3 (se ainda achar muito divida por 4 ou 5...);

· Em hipótese alguma abra o zíper dele no primeiro encontro (nem no segundo e nem no terceiro!);

· Depois que a coisa estiver rolando, tome a iniciativa sim, mas convença-o de que foi ele quem fez você ficar assim tão louca por sexo!!!!

· Há, e muito importante, se a historia não der certo, nada de ciscar no mesmo terreiro, procure o próximo candidato a Príncipe encantado bem longe do último, porque a fofoca não é uma prerrogativa feminina!

Leia também : http://contemporanea.nominimo.com.br/?p=379
http://contemporanea.nominimo.com.br/index.php?s=reox

quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Da série os homens e seus instrumentos



O power trio: guitarra, baixo e bateria. Harmonia de notas, grooves e sons. Três peças que compõem o todo ideal, ao menos no rock’n roll... Mas quem são essas peças, e quem é o homem por trás de cada instrumento?

A bateria exige um vigor físico diferenciado. O baterista está lá sentado, mas seu corpo está em total movimento. È o pé no bumbo, os dois braços se revezando na caixa, nos pratos, na percussão, é a boca que busca o microfone, e por ai vai. Às vezes parece que o baterista é um polvo, de oito ou até mais braços... Aliás, me lembro de uma fotografia de um grande batera em movimento, e tinha-se a ilusão de estar diante de Shiva, o deus hindu. Para mim, o baterista tem três características que o gabaritam como um homem interessante: levada, ritmo e criatividade. Os movimentos de alternância, quando bem executados, fazem realmente a diferença. Mas saber o momento de pegar leve ou pesado é o que às vezes falta ao baterista (com aquelas honrosas exceções dos homens que transitam bem por todos os gêneros, do jazz ao heavy metal.) O que ocorre no mais das vezes é que o batera de heavy metal, com toda aquela agressividade, não vai ser muito dado a momentos de ternura, enquanto do batera de jazz não se espera que te pegue pelos cabelos (aaaaaaaaaaaaah...!)

O guitarrista, bem esse é a estrela. Os solos são fenomenais, ele tem mil e um acessórios, pedal pra isso, pedal praquilo....Adora uma pirotecnia, tecnologia, e a simplicidade fica relegada a segundo ou terceiro planos. O rapaz tem muita habilidade manual, mas... O problema é que na maior parte das vezes o ego dele é enooooooooooorme. E o senso comum já diz, quanto maior o ego, menor o...(ops, melhor não dizer porque posso estar levantando falso testemunho;-). Mas o moço não é só defeitos, ele tem uma energia inesgotável, corre de um lado para o outro, toca a guitarra de frente, de costas, com a língua ( uuuui!). Vale a pena. Mas com o tempo...ah, tanta variação acaba cansando.

O baixista, bem, esse é um caso especial... Ele está lá, meio que escondido entre o polvo e a estrela. O instrumento dele não é o mais espalhafatoso (não me lembro de ter visto um em forma de estrela, purpurinado, em forma de raio, etc.). Acessórios só quando são absolutamente necessários. Na maior parte do tempo é só ele e o baixo.

Se o baterista tem a levada, o guitarrista seus solos pirotécnicos, o baixista é o dono do ritmo. Ele é a liga, a base para o som perfeito. Bateria sem baixo é só pancadaria, guitarra sem baixo não passa de gritaria. É o baixo que dá a constância, o peso do som. E o baixista, que para os ouvidos comuns passa muitas vezes despercebido, aos ouvidos de quem tem a sensibilidade para o instrumento, se transforma em um deus. Quando ele fecha os olhos e seus dedos ágeis tocam as cordas, mergulha na música como se aquele fosse o único e último momento.

E o homem que escolheu o baixo como seu instrumento, ah, esse é especialíssimo... Costuma levar para a vida o que faz com o baixo, é constante, dita o ritmo e faz com que seu corpo produza o som que ele quer. Seus dedos buscam a nota mais harmônica, sabendo que ele está ali para somar, completar e não pra ser o centro de tudo. E cá entre nós, consegue sempre. Até o modo de segurar o instrumento, perto do corpo, aconchegado, é o mais sensual de todos. Se for um baixo acústico então, é exatamente como se ele tocasse o corpo de uma mulher, delicado e ao mesmo tempo firme, como que para não deixar escapar.

O baixista sabe exatamente quando pode improvisar e quando deve simplesmente se deixar levar pelos sons. E seus solos... ah! Se você fechar os olhos naquele momento, vai sentir um arrepio que percorre seu corpo, como um choque, uma corrente de energia que vem dos seus pés e continua sembre subindo, sempre constante, até chegar à nota final: Grave, longa, ritmada... Perfeita! Acho que está aí a explicação da minha preferência por eles...

terça-feira, 28 de agosto de 2007

Reflexões sobre o ato de voar




“O lugar do pássaro é o ar, não o ninho”
(Gabriel o Pensador- “Brasa”)


Outro dia estava no aeroporto, esperando uma conexão, quando comecei a me lembrar do dia em que fiz meu vôo mais importante. Exatamente três anos antes tinha recebido a proposta que, sob tantos aspectos, mudaria minha vida: trabalhar na Itália... Dei-me conta que já tinha se passado tanto tempo desde o telefonema que me “jogou” nessa roda-viva que se tornou minha vida até esse ano e de repente percebi que no mesmo dia de minha decisão de deixar o país, exatamente três anos depois, o circulo se fechava...

Pensei na capacidade de voar...De avião ou em pensamentos. E em como essas duas formas se entrelaçam na minha vida.

Entrar em um avião para um vôo intercontinental pode parecer banal para um monte de gente, mas não foi para mim em nenhuma das vezes em que cruzei o atlântico, partindo ou voltando. Aquelas horas de vôo transformaram definitivamente a minha vida e todas as vezes em que subo em um avião, ainda que seja para um vôo de 45 minutos tenho a mesma sensação...De que uma simples decolagem pode significar muito mais.

Lembro-me em detalhes das sensações que as horas de vôo nas minhas travessias atlânticas provocavam, e o engraçado é que sempre foram sensações boas, tanto indo quanto voltando. Um misto de alegria por chegar e saudade do que já ficava para trás. Sonhos realizados e outros esquecidos. Novos e antigos - amigos, amores, desejos - que povoavam minha cabeça durante as horas em que o avião e meus pensamentos voavam.

Ao abrir as asas para deixar o ninho, os pequenos pássaros devem optar entre a segurança do que já conhecem ou a beleza do desconhecido. E fazem isso por instinto, por necessidade. Não sei se os pequenos animais emplumados entendem o significado desse momento, mas nós, que não possuímos penas e necessitamos de artimanhas para voar, temos consciência do salto para o abismo. E eu me pergunto se o amo somente o que o desconhecido pode me oferecer, ou se o que realmente me importa é a própria beleza do salto...

Quando deixamos nosso ninho em busca de novos ares, novos sonhos, conseguimos entender o que significa realmente voar. Voar para viver, conhecer, amar, sofrer. E voltar. Porque talvez o lugar do pássaro seja o ninho, não o ar....


Janaina Ferreira
Brasília, 20/06/2006

quinta-feira, 5 de julho de 2007

Aos trinta

No ultimo post, falei do meu irmão que completou 30 anos. Então me lembrei desse texto, que escrevi pouco antes de completar os meus 30. Faz quase dois anos, mas ele continua tão atual para mim que às vezes até assusta...



“Há quase 30 anos, nascia uma menina moreninha e bochechuda em um hospital de Brasília. Segundo seu pai, era o bebê mais lindo que jamais havia visto (e ainda hoje repete isso, mesmo depois de ter visto dezenas de outros bebes...). E ao olhar para aquela coisinha pequenina, pensou que ela poderia ser o que quisesse no mundo, que tudo seria possível.
Acho que essa é uma historia comum à maioria das meninas nascidas naquele ano, ou pelo menos sei que é comum a quase todas as minha amigas, que já tem ou completarão 30 anos ate o fim do ano...Em 1974, ou 1975 nos poderíamos ser aquilo que quiséssemos, realizaríamos todos os nossos sonhos:seriamos grandes advogadas, escritoras, jornalistas, atrizes famosas, ate astronautas poderíamos ser!!!!! E também encontraríamos um homem que nos amasse, e teríamos uma linda família e um dia olharíamos o rosto de nossa filha (ou filho) que acabara de nascer e pensaríamos: poderá ser aquilo que quiser!
O que será que aconteceu que fez as coisas darem errado??????
Tinha um grupo amigas no segundo grau. Em 1991 tínhamos todas mais ou menos a mesma idade, com a diferença de um ano no Maximo. Aos 15 anos tínhamos a certeza absoluta de conquistar o mundo. Sabíamos à perfeição o que gostaríamos de ser, e havíamos traçado todos os planos que nos conduziriam ao sucesso absoluto, nas nossas carreiras e na vida. Uma tarde estávamos reunidas e cada uma disse o que via para o futuro das outras. Não me lembro exatamente o que cada uma disse naquela tarde, mas sei que pouco daquilo que dissemos se realizou.
Desse grupo de amigas, três são muito próximas a mim. E ainda que a distância geográfica nos tenha separado, sinto que nossos corações ainda são ligados de um modo único.
Quando olho pra minha vida e também pra vida delas, me pergunto se fizemos as escolhas certas, e onde foi que aqueles sonhos e planos se perderam. Será que aos quinze anos não éramos capazes de criar nosso futuro e fazê-lo acontecer? Ou será que os sonhos e planos daqueles dias deram lugar a realizações concretas que nos fizeram mais felizes?
Não sei ao certo se aquilo que somos determinam nossas escolhas, ou se as escolhas determinam quem somos (ou seremos). O que sei é que, chegando aos trinta, olho pra trás e não reconheço naquilo que realizei os meus sonhos de menina. E me pergunto se não peguei a estrada errada e não tinha uma trilha de migalhas de pão pra seguir e encontrar o caminho de casa...
Nunca perguntei às minhas amigas como elas se sentem em relação a isso, se estão satisfeitas com a vida que construíram . Gostaria de saber...
Dentro de 3 meses comemorarei meu trigésimo aniversario. Não sou uma grande advogada, escritora, jornalista, atriz famosa ou astronauta. Não encontrei meu príncipe encantado, não me casei, não tive nenhum filho. Estou numa espécie de limbo, sem saber exatamente pra onde ir, e com a certeza de que não posso voltar. Sonhei e planejei tantas coisas, e hoje penso que talvez tenha sonhado e planejado demais, e trabalhado pouco pra fazer as coisas acontecerem.
Vi um filme no qual os personagens faziam uma lista das coisas que deveriam ser feitas antes dos trinta. Como tenho só mais três meses, muitas daquelas coisas não vou ter tempo de fazer. Mas antes dos trinta gostaria de ter a capacidade de traçar pra mim uma nova estrada. Uma que me de a certeza de que chegarei ate o fim.

set/2005”

quinta-feira, 28 de junho de 2007

O menino palhaço

No último dia 21, o Jaime, meu irmão um pouco mais novo, completou 30 anos. Nosso pai queria fazer um cartão especial pra ele e pediu que eu escrevesse alguma coisa. Comecei a pensar nele quando era pequenino,  lembrar de tudo o que ele aprontava, e percebi que meu irmão sempre foi um palhaço. Daí nasceu esse texto. Uma homenagem ao meu pequeno "limãozinho"

Menino Palhaço

Às vezes acho que ele já nasceu palhaço... Pelo menos carinha de palhaço ele já tinha! Como gostava de fazer caretas!!! E o que dizer da mania que tinha de molhar as visitas toda vez que alguém ia fazer o favor de trocar a fralda dele? Vai dizer que aquilo não era palhaçada??!! Sem contar o hábito de se lambrecar: tudo que ele encontrava pela frente virava maquiagem! Melado, terra, lama, frutas, o quer que fosse ele dava um jeito de passar na cara... pra ficar ainda mais palhaço ( conta a lenda que até em coisas menos apresentáveis- e menos cheirosas- ele também enfiava aquele dedinho gordinho...).

Ele não era um garotinho muito parecido com os outros, talvez porque sua alma já fosse artista, e vamos combinar, artistas não umas gentes muito normais! Pois é, por não ser um menino muito normal, ele não jogava futebol, gostava mesmo era da tal ginástica olímpica, porque lá podia fazer mais palhaçadas, como ficar dando estrelinhas, cambalhotas, mortais quádruplos com pés nas costas, essas coisas complicadas (no fundo ele sabia o quanto aquelas coisas seriam úteis no seu futuro como palhaço...).

Nas horas vagas, enquanto uns ficavam brincando com os carrinhos de controle remoto, ele desmontava os seus, espalhava as pecinhas por todo lado, e depois montava tudo de novo. A diversão dele era descobrir como as coisas funcionavam (se bem que nem sempre ele conseguisse fazê-las voltar a funcionar, e sempre sobrava uma molinha que ele não tinha idéia de onde tinha saído!). Aquele aprendizado um dia também seria útil na sua vida de palhaço (porque palhaços também fazem engenhocas, ou você não sabia?).

Nessa mesma época ele resolveu que queria ganhar um dinheirinho. Ao contrário dos outros meninos - que iam lavar carros, entregar jornal - ele foi fazer teatro de bonecos (tô dizendo que não era muito normal!). E o melhor é que fez sucesso! Todo mundo dizia que aquele menino tinha futuro!

Então ele foi crescendo, crescendo, e um belo dia decidiu que não queria mais ser artista. Começou a achar aquilo tudo muito chato, e morria de vergonha quando a mãe e o pai pintavam a cara pra fazer as palhaçadas deles. Parecia que ia fugir pra sempre do mundo dos palhaços.

Mas felizmente foi uma fase que durou pouco, porque um anjinho de asa quebrada (protetor dos meninos que gostam de palhaçadas), soprou no ouvido dele dizendo que era pra parar com aquilo, que quando a gente tem um destino, não tem nada que possa nos afastar. E o destino dele era fazer as pessoas felizes.

Ai foi estudar na escola de artistas sérios (se é que artista pode ser gente séria). E como tudo o que ele sempre fez na vida, ficou muito bom na arte que escolheu.

(Aqui vamos fazer um parêntese para contar um segredo. Ser bom nas coisas também é uma característica dele...Tudo o que o palhacinho resolve fazer, faz obsessivamente até ficar perfeito. E não sossega enquanto não for o melhor! Inclusive nos hobbies...Quando jogava RPG - um jogo de pessoas que no fundo querem é estar num palco- ele só sossegou quando foi mestre. Corria de kart - sonho infantil realizado quando ele já era grande- e queria bater todos os recordes, mas perdeu da Cecília, tadinho! No tal do X-Box, varava noites pra ser o melhor. No forró, as moças fazem fila pra dançar com ele. Agora ele arranjou um tal de paintball, que deixa um monte de marcas pelo corpo, derruba na lama, etc., mas ele já ganhou até titulo de Animal Player – vai saber que é isso...- e ainda vai chegar a jogar na liga profissional...de um negócio que as pessoas brincam de atirar bolinhas de tinta uma nas outras. É cada coisa que esse povo inventa!)

Enquanto estudava na escola dos artistas sérios, ele também ia aprendendo outras coisas em outras escolas menos sérias. Aprendeu a jogar bolinhas pra cima, se equilibrar numa perna compriiiiida, ficar de ponta-cabeça, usar coisinhas coloridas no rosto, inclusive uma bolinha vermelha na ponta do nariz (coisas muito úteis pra um palhaço).

Quando terminou a escola, todo mundo pôde ver que ele era muito bom, um artista sério. Que era capaz de ficar pendurado de cabeça pra baixo no meio da cena e emocionar com suas expressões. Que criava texto do nada, e o texto fluía. Aprendeu muito na escola dos artistas sérios, e saiu de lá ator.

Mas o que nem todo mundo sabia é que a personalidade do palhaço também estava pronta.

E não é que o menino palhaço era bom naquilo mesmo?!?!??! Engraçado, tremendamente engraçado. Capaz de arrancar as gargalhadas mais gostosas de adultos e crianças. Começava a falar diferente e fazia a gente rir. Jogava as bolinhas pra cima, andava na perna comprida, colocava a bolinha vermelha e transformava o mundo em um lugar mais legal.

O menino-palhaço cresceu, e hoje completa 30 anos. Não trabalha mais só para divertir as pessoas, porque descobriu uma nova paixão. E pra variar, ficou muito bom nela...

Mas a bolinha vermelha está guardada numa caixinha na gaveta, só esperando a hora em que vai saltar de lá e pousar no nariz do menino-palhaço. Que mesmo sem ela continua fazendo a gente feliz.

21/06/2007

Imagem: http://dykerama.uol.com.br/src/img/arq/originais/ef73c0996e2e8eic64c_palhaco2.jpg

terça-feira, 12 de junho de 2007

Contaminação

"Renda-se,
como eu me rendi.
Mergulhe no que você não conhece,
como eu mergulhei.
Não se preocupe em entender.
Viver ultrapassa todo o entendimento.”
(Clarice Lispector)


Estava pensando em contaminação. Em como podemos ser “contaminados” por alguém que mal conhecemos.
Todas as pessoas que encontramos nos deixam alguma marca, por menor que seja. O que certas vezes acontece é que algumas dessas pessoas deixam marcas indeléveis, e não conseguimos nem mesmo explicar o porquê.
Não estou falando de amigos, amores, familiares. Falo de pessoas que, em determinado momento das nossas vidas apareceram, por um breve instante (que pode ter sido um dia, ou uma semana), marcaram nosso coração e nunca mais conseguimos apagar a impressão deixada.
Pode ter sido pelo momento vivido, pela memória que aquele encontro traz, pelo cheiro que ficou, pelo gosto das lágrimas na boca... Muitas podem ser as razões.
Mas a verdade é que existem pessoas que nos contaminam. Deixam em nossa alma um rastro, uma marca, uma cicatriz...
Pode ter sido um amor de verão mal resolvido e, passados mais de 15 anos, ainda dói.
Pode ter sido uma noite num trem indo para Viena, antes do nascer do sol.
Pode ter sido um Carnaval em Salvador, com o sol ameaçando nascer...
Pode ter sido um encontro de duas línguas diferentes, dois mundos diferentes, e um mesmo desejo.
Pode ter sido uma noite de fantasia e vinho, guerreiro e princesa.
Tantas possibilidades, poucas explicações. Mas sentimentos não precisam de explicações.
Ainda que você tente racionalizar, não consegue entender como uma pessoa tão diferente de você, tão distante do seu universo, aquele alguém que apenas cruzou seu caminho por um belo e frágil momento, conseguiu deixar em seu coração tal impressão.
“Uma orquídea de fogo e lágrimas.”
E você se vê inundado por um sentimento desconhecido e ao mesmo tempo tão familiar. Pode sentir o desamparo e a dor do que não foi e poderia ter sido. Ou então a inexplicável sensação de ter sido sempre assim, daquela pessoa ter sempre feito parte da sua vida, parte de quem você foi...ou é.
É aí que você fecha os olhos, procurando resgatar cada um dos instantes passados, a poesia daqueles momentos, cada palavra, gesto, olhar, sensação. Você sabe que essas lembranças serão efêmeras e acredita que seus sentidos não serão capazes de preservar com nitidez todos os momentos vividos.
Mas de repente percebe que bastará a nota de uma música no ar, o gosto doce daquele café, o cheiro do mar em Ipanema, o toque na seda do vestido ou a visão daquele olhar para que tudo reacenda, todo o brilho volte e você possa agradecer ainda mais uma vez por ter vivido e por ter sido “contaminado” por alguém. E então entende que, naquele preciso momento, você amou.

Janaina Ferreira
Brasília, 20/03/2007

domingo, 10 de junho de 2007

Eros e Psique


Conta a lenda que dormia 
Uma Princesa encantada 
A quem só despertaria 
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.

Ele tinha que, tentado, 
Vencer o mal e o bem, 
Antes que, já libertado, 
Deixasse o caminho errado 
Por o que à Princesa vem.

A Princesa Adormecida, 
Se espera, dormindo espera, 
Sonha em morte a sua vida, 
E orna-lhe a fronte esquecida, 
Verde, uma grinalda de hera.

Longe o Infante, esforçado, 
Sem saber que intuito tem, 
Rompe o caminho fadado,
Ele dela é ignorado, 
Ela para ele é ninguém.

Mas cada um cumpre o Destino 
Ela dormindo encantada, 
Ele buscando-a sem tino 
Pelo processo divino 
Que faz existir a estrada.

E, se bem que seja obscuro 
Tudo pela estrada fora, 
E falso, ele vem seguro, 
E vencendo estrada e muro, 
Chega onde em sono ela mora,

E, inda tonto do que houvera, 
À cabeça, em maresia, 
Ergue a mão, e encontra hera, 
E vê que ele mesmo era 
A Princesa que dormia.



Fernando Pessoa

sábado, 9 de junho de 2007

Ainda sobre palavras

Continuando no tema das palavras, esse texto escrevi alguns meses atrás, depois de assistir À "Mais estranho do que a ficção", filme que recomendo veementemente ;-)!

Sobre "Mais Estranho que a Ficção"


"Minhas asas estão prontas para o vôo, Se pudesse, eu retrocederia Pois eu seria menos feliz Se permanecesse imerso no tempo vivo." Gerhard Scholem, Saudação do anjo


É curiosa a reação que temos com determinadas obras de arte, principalmente artes audiovisuais, quando elas vão além do papel tradicional de nos emocionar, impressionar, ou tão somente divertir. E perceber que cada pessoa tem uma reação diferente de acordo com suas vivências nos faz querer  ainda maisdividir aquela experiência com alguém.

Não sei se foi meu estado de espírito ontem que favorecia as reações que tive (não estava muito bem, estava com a "energia" meio baixa, down mesmo...), ou se realmente o filme é muito bom. Precisaria de uma outra opinião pra me ajudar a balizar as sensações.

O que importa é que no final das contas sai do cinema pensando, pensando muito, e gosto de filmes que me provocam esse tipo de reação. Acompanhar a trajetória do Harold Crick, aquele cara ultra-comum, com a vida regrada, medida, calculada, que de repente se vê envolvido na narração de sua própria vida - transformando-se em personagem daquela tragédia/comédia que se desenvolve além do que ele pode prever - me fez questionar a capacidade e o poder que temos de "escrever" nossa história. De fazer dela o que bem queremos e escolher qual o melhor final.

Ao mesmo tempo, me fez recordar um autor que me apresentaram (e do qual li apenas poucas páginas), que disse que a narrativa tem o poder de construir a história. Do que li, aprendi que os escritores, ou quem lida bem com as palavras, as pode utilizar pra construir sua própria história.

O que faço eu ao escrever sobre meus medos, anseios, vivências, senão exorcizar meus fantasmas e assim tentar construir pra mim uma nova história? Talvez tenha sido isso o que me impressionou no filme, o fato de Harold Crick - a partir do momento que percebe que sua vida esta sendo narrada e que sua morte é iminente - começar um processo que pode culminar com a mudança total de sua personagem. E como nós podemos ser capazes de fazer o mesmo e, mais importante,sem precisar ser impulsionados por um narrador dentro de nossa cabeça que pretende nos matar logo, logo...

Uns podem conseguir pela palavra escrita, apenas por ela mesma, ao colocar no papel sentimentos, desejos e sensações e , após vê-los materializados ali, na folha branca, perceber que estão "curados" ou "redimidos". Para outras pessoas passa pela consciência de seus atos e a modificação de seus comportamentos viciantes ou auto-destrutivos. De qualquer maneira que seja feita, pode significar a reconstrução da nossa própria "narrativa" e, por conseguinte, de nossa história.

Stranger than fiction... Talvez seja um dos títulos mais precisos que o cinema já criou. Mas você não vai precisar entender o porquê daquelas coisas acontecem com Harold Crick, pois sabe que as coisas que nos acontecem muitas vezes são bem mais "estranhas" do que a ficção...


"O cronista que narra os acontecimentos, sem distinguir entre os grandes e os pequenos, leva em conta a verdade de que nada do que um dia aconteceu pode ser considerado perdido para a história. Sem dúvida, somente a humanidade redimida poderá apropriar-se totalmente do seu passado. Isso quer dizer: somente para a humanidade redimida o passado é citável, em cada um dos seus momentos. Cada momento vivido transforma-se numa citation à l’ordre du jour — e esse dia é justamente o do juízo final." (Walter Benjamin)

JANAINA FERREIRA
BsB 13/02/2007

domingo, 3 de junho de 2007

A língua é minha pátria

Museu da Língua Portuguesa. São Paulo, junho de 2007.


Início da tarde de sábado, entro em uma sala de projeção, o Museu exibe um vídeo sobre as origens da língua. Narração da Fernanda Montenegro, uma pérola. Quando eu achava que iria continuar o vídeo, a tela sobe e nós somos convidados a entrar em um galpão, com pé-direito muito alto, e a sentar como em uma arena. Daí em diante, tudo é magia em forma de poesia. E prosa.


Vozes famosas vão penetrando em nossos ouvidos, dando som às palavras mais belas da língua portuguesa. Drummond, Camões, Bandeira. E também Monteiro Lobato, Casimiro de Abreu, Gonçalves Dias, Olavo Bilac. E Chico, Caetano, Vinicius, Tom. Tantas palavras perfeitas, atuais, belas, emocionadas. Enquanto as vozes penetram na alma, imagens se formam no alto, como no céu de um planetário. Imagens acompanhando as letras, formando-se como se formam as palavras.


Ouvir todos aqueles textos e poemas da nossa língua, acompanhados das imagens, me emocionou de uma maneira surpreendente. Enquanto escutava as frases penetravam na minha alma e me davam a consciência de como em nossa língua os sentimentos podem se transformar em imagens claras. E aqueles sentimentos me inundavam,  transbordavam nas lágrimas que não conseguia conter, diante de tanta beleza.


As Canções do Exílio trouxeram de volta os sentimentos vividos ao estar longe de casa, da minha pátria. Se a língua é minha pátria, como diz Caetano, eu tenho pátria: a língua portuguesa, falada no Brasil, de preferência.


As visões do amor, de Camões e Drummond, uma seguida da outra, mas com um espaço de alguns séculos entre elas, pareciam ter sido escritas ao mesmo tempo, num mesmo momento.


E Graciliano Ramos, que teve que descrever a morte da Baleia... Eu fechava os olhos e via claramente a cena, a cachorrinha que corria num céu cheio de preás. E, novamente às lagrimas, pensei que até na descrição da morte de um cão a poesia era transbordante.


De repente uma voz infantil começa a explicar o que é a vida. Lembrei da minha infância, quando li aquelas palavras pela primeira vez:


"A vida, Senhor Visconde, é um pisca – pisca.
A gente nasce,isto é,começa a piscar.
Quem pára de piscar, chegou ao fim, morreu.
Piscar é abrir e fechar os olhos – viver é isso.
É um dorme-e-acorda, dorme-e-acorda, até que dorme e não acorda mais.[...]
A vida das gentes neste mundo, senhor sabugo, é isso.
Um rosário de piscadas. Cada pisco é um dia.
Pisca e mama ;
pisca e anda ;
pisca e brinca ;
pisca e estuda ;
pisca e ama ;
pisca e cria filhos ;
pisca e geme os reumatismos ;
por fim pisca pela última vez e morre.
-E depois que morre – perguntou o Visconde.
- Depois que morre, vira hipótese. É ou não é?"


A imensa sabedoria da boneca de pano criada por Monteiro Lobato sempre me acompanhou e a última frase desse trecho não consegui esquecer. A Emília foi a primeira heroina da minha vida,  nunca deixei de sonhar com as histórias da boneca criada pela mão de gênio de Monteiro Lobato, cujos livros foram meus maiores companheiros de infância.


Então entendi o porquê da minha emoção incontida: as palavras estão impregnadas na minha alma desde muito cedo e ali,  no Museu, ouvindo/sentindo aquela experiência sensorial, percebi o quanto sou privilegiada por conseguir transformar sentimentos em letras na minha pátria, a língua portuguesa.


Visite o Museu da Língua Portuguesa: http://www.estacaodaluz.org.br/


Janaina Ferreira
São Paulo, junho de 2007.

Clarice...

O fato é que tenho em minhas mãos um destino e, no entanto, não me sinto com o poder de livremente inventar. Sigo uma oculta linha fatal. Sou obrigada a procurar uma verdade que me ultrapassa.

(Clarice Lispector)

quinta-feira, 17 de maio de 2007

Querendo postar

Tinha estabelecido comigo mesma o compromisso de escrever uma vez por semana. Até tentei, mas existe um tal de PAC, obra de nosso Presidente Lula, que está me deixando louca, não me dá tempo nem de pensar.
E pra escrever sou assim, preciso de calma, tempo, disponibilidade total.
Pra não deixar as coisas paradas por mais uma semana, resolvi publicar um texto antigo, quer dizer, não escrito propositadamente para o Blog.
Já pensava em fazer isso, mas queria que fosse um texto novo, depois um antigo, outro novo...
Não um antigo, e outro antigo, mais um antigo...
Mas então pensei: Esse aqui é um espaço meu e...what a hell! Eu posso fazer o que me der na telha, afinal serão sempre as minhas palavras lançadas aos ventos!


JOGOS (i)MORTAIS



“Vivendo e aprendendo a jogar/ nem sempre ganhando/ nem sempre perdendo /mas aprendendo a jogar”


Segundo o Aurélio, JOGO é um substantivo masculino que pode significar, entre outras coisas... “1. Atividade física ou mental organizada por um sistema de regras que definem a PERDA ou o GANHO. 2 .Comportamento ou atitude de alguém que visa a OBTER VANTAGENS de outrem. 3. Fazer o jogo de: Colaborar com o(s) objetivo(s) de, atuando com DISSIMULAÇÃO .”

Nós seres humanos temos absoluta fascinação pelo ato de jogar. Não estou em referindo a jogar futebol, vôlei ou poker (se bem que esse último talvez se aplique ao que tenho em mente...), mas sim aquele jogo diário que fazemos para conseguir o que queremos.

Desde bebês sabemos (ainda que inconscientemente) que, se chorarmos, nossas necessidades/desejos serão prontamente atendidas.

Crescemos um pouco e, na mais tenra infância, percebemos que não só o choro, mas também carinhas bonitinhas, manha, promessas, acabam nos trazendo tudo o que precisamos. É nessa fase também que aprendemos nossas primeiras lições sobre chantagem emocional, ainda que não saibamos o que significa...

Quanto mais crescemos, mais aplicamos o jogo à nossa vida. Desenvolvemos nossas técnicas, estratégias de ataque e defesa, os melhores movimentos a fazer diante dessa ou daquela situação. E com o tempo, paramos até mesmo de perceber quando é jogo e quando somos nós mesmos.

Nos relacionamentos então... O jogo é a regra!

“Não vou pra cama de cara, senão ele não me liga nunca mais”, “não vou dar muito mole, senão ela vai perceber que estou louco por ela”, “ah, vou esperar dois dias... se ele não ligar, mando uma mensagem”. Quantas artimanhas se constroem na busca – naturalmente humana – do par? É tão normal dentro da conquista ou dos relacionamentos amorosos que chegamos ao absurdo de proclamar que jogar faz parte... E continuamos a querer ser ou parecer outra pessoa, a reprimir o que realmente pensamos e queremos na vã esperança de que assim que conquistaremos aquele relacionamento especial.

Depois de muito jogar, cheguei à conclusão que estou cansada. Cansada de criar situações para me encontrar com aquele alguém. Cansada de refrear meus desejos pensando no que acontecerá amanhã. Cansada de fazer de conta que não vi, de esperar o telefone tocar, de me fingir de desinteressada. Quero poder ser eu mesma, sem máscaras ou estratégias, fazendo o que me dá vontade sem ter que calcular os riscos que corro se fizer dessa ou daquela maneira.

Ao tentar mudar minha atitude, não pretendo levantar uma bandeira, ou tentar convencer ninguém a mudar seu comportamento. Mas proponho uma reflexão: até que ponto nossos relacionamentos amorosos são prejudicados pelo excesso de artimanhas do imortal jogo da conquista que não nos cansamos jogar? Será que não poderíamos vivenciar esses momentos – que são seguramente a parte mais entusiasmante de um relacionamento – sem a necessidade de construir uma “persona” diferente de quem realmente somos?

Claro que sou muito otimista esperando que se possa fazer diferente, sem máscaras ou estratégias...é quase inerente ao ser humano esse tipo de atitude. Entretanto, quero acreditar que seja possível uma história em que não haja vencedores e perdedores, apenas pessoas que se encontram, por serem elas mesmas.

Brasília, 27/01/2007

quarta-feira, 9 de maio de 2007

Mudanças




As mudanças são parte integrante da nossa vida. Acontecem diariamente, e não nos resta nada a fazer senão encará-las, vivenciá-las, aprender com elas. Mas algumas mudanças provocam mais alterações do que outras e, entre essas, talvez a mais dolorosa e transformadora seja a mudança em sentido estrito: fazer as malas e enfrentar o novo.
Existem pessoas que passam a vida inteira morando na mesma cidade, bairro, rua, ou casa em que nasceram. Elas nunca experimentaram a dor e a delícia de colocar numa mala os sonhos de viver uma vida diferente, em uma terra distante (ainda que a terra distante fique há poucas centenas de quilômetros). Não sei se são pessoas mais ou menos felizes, mas acho que pra mim essa vida não serviria. É claro que eu também não sou o modelo ideal, pois durante a maior parte da minha vida fiz exatamente o oposto, mudando de casas, de cidades, de estados, até de país. A alma cigana de meus pais, e depois a minha própria, me impulsionam a querer sempre experimentar o novo, o diferente. E, quando a alma chama, não sei como dizer não...
Mas voltemos ao princípio. Quando resolvemos que é hora de transformação, não há como não pesar o quanto nos custará enfrentar a mudança. E quando se trata de deixar para trás família, amigos, uma vida estabilizada e à qual somos tão apegados, o sofrimento é inevitável. E nos questionamos sobre como será, como conseguiremos criar uma nova vida num lugar distante, como poderemos ser plenamente felizes deixando para trás as coisas que nos são tão caras. A resposta é simples: não podemos saber.
Não há como prever o que acontecerá aos nossos corações e mentes a cada mudança, e é precisamente por isso elas são tão dolorosamente importantes. Porque nos colocam em contato com o desconhecido - fora e dentro de nós mesmos – e nesse processo descobrimos que somos capazes de nos reinventar, de nos adaptar e criar uma vida nova em folha.
Os amigos que deixamos para trás permanecem dentro de nós. E pras amizades verdadeiras não existe distância (nós sabemos bem disso, não é, Docinha?). Pode até parecer piegas, mas é assim mesmo que funciona. Podemos ter a certeza de voltar e encontrá-los, talvez sentados naquele mesmo bar, talvez não. Mas seguramente prontos pra dividirem conosco a cerveja gelada e ouvirem as histórias da nossa aventura.
Por isso não tenha medo da mudança. Se a oportunidade aparecer, faça as malas. Coloque dentro seus sonhos, as fotos dos amigos, seu ursinho de pelúcia ou cobertor que o acompanha desde pequenino, e ponha o pé na estrada. A delícia do novo, do inesperado,de crescer como pessoa, supera com folga a dor de deixar uma parte de nós para trás.

*Para minha doce amiga Flávia, que mais uma vez fez as malas pra enfrentar o desconhecido ;).

Brasília 27/04/2007

terça-feira, 8 de maio de 2007

O que eu quero

O texto-poema que foi o propulsor da criação do blog

"Quero um amor louco, que me consuma por inteiro.
Que me tire o fôlego, bambeie minhas pernas e faça-me esquecer os limites.
Quero intensidade, calor, tesão, vontade irrefreável.
Quero uma ausência que me provoque dor, mas uma dor que esvaeça ao primeiro toque do telefone.
Quero beijos roubados, beijos molhados, beijos eternos.
Quero promessas, juras, sonhos.
Quero a vontade de estar tão perto a ponto de tornar-se um só.

Quero um amor que me preencha por inteiro.
Que me tire o sono, que me roube o chão, que me jogue no olho do furacão.
Quero dormir e acordar amando, a cada dia mais.
Quero o amor que sufoca, que domina, que inebria.
Quero a dor física do amor, quero coração aos saltos, frio na barriga, mãos geladas.
Quero todos os segredos, sujos ou belos.
Quero uma alma que toque a minha.

E depois de tudo, mas muito depois, então enfim quero paz.”
(03/07/2006)

Como foi que tudo começou

A idéia de escrever sobre meus pensamentos, temores e alegrias não foi exatamente uma idéia. A coisa começou por acaso, com um email enviado aos amigos em um momento em que me sentia só, distante da minha família, das pessoas que eu amava, em um país estranho e, naquele momento, hostil.
Acho que é mais do que justo que esse seja o texto que inaugura efetivamente o blog, ainda que ele pareça um pouco datado...

Saudade

Saudade é uma palavra que só existe na língua portuguesa. Mas acho que nem mesmo os portugueses a utilizam como nós, brasileiros. Percebi que temos a saudade no nosso vocabulário cotidiano porque esse sentimento está para nós brasileiros como o queijo para o vinho (analogia muito italiana...) Talvez seja pretensioso dizer que isso seja um privilegio nosso, mas sinto que somos fadados, mais do que qualquer outro povo do Novo Mundo, desde sempre à saudade. Desde sempre tivemos a vontade de voltar “pra casa”, porque somos filhos dos negros que sentiam o “banzo” de sua África mãe, filhos de portugueses (e porque não espanhóis, holandeses, franceses, e depois japoneses e italianos) que carregavam já consigo a vontade de voltar, de ver do mar o porto de Lisboa se aproximando. E também dos índios, que por sua cultura, esperam pela morte que é o retorno ao posto de onde não queriam ter partido, a Mãe-Natureza.

Temos a saudade dentro de nós há mais de 500 anos, nascemos já com a saudade ate mesmo de coisas (ou tempos) que não vivemos. Mas maior ainda é a saudade que sentimos de casa. Quem viveu a experiência de estar tão longe do verde-e-amarelo pode entender o que estou dizendo. Você passa a ver seu mundo com outros olhos, e é impossível não se tornar imensamente patriótico. Hoje olho pra trás, olho pro Brasil e consigo ver que, apesar de todos os pesares, da fome, da miséria, da política, apesar das perdas, nos temos tesouros que ninguém tem. A começar pelo nosso povo. Quando a gente esta aí, tem a “mania” de condenar a alegria do povo brasileiro, que é capaz de, no meio da maior crise econômica e social, parar por cinco dias para comemorar o Carnaval. E dizemos que o povo brasileiro não tem vontade e garra pra lutar para mudar a situação, só pra se divertir e esquecer o que se passa debaixo do seu nariz. Eu também sempre pensei assim, e continuo achando que nos falta uma força para combater, nos falta a vontade (política?). Mas isso não e culpa do nosso jeito alegre de viver, da nossa capacidade “pollyana” de ver o lado bom das coisas. Se não temos essa consciência política é culpa de um sistema que não educa o povo para pensar, e não culpa desse povo ou de sua alegria. Imaginem quando nós, com essa capacidade de superar dificuldades sorrindo, com nossa solidariedade, com a nossa alegria, tivermos acesso à informação e educação que mostrará que é possível fazer um país diferente? “Sonhar não custa nada...”.

Hoje olho os mais de dois mil anos de historia de Roma, os séculos e séculos de Firenze, os castelos de 1000 anos da Calábria e penso: O que todos esses séculos de historia ensinaram a esse povo? A ser mais tolerante? A admirar e seguir os exemplos que tiveram? A viver a vida dia após dia, a buscando uma maneira de ser feliz? A sorrir diante das dificuldades (e eles tiveram muitas)? Nada disso. Vejo um povo egoísta, intolerante, preconceituoso e sem respeito pelo passado. Sim, respeitam as obras de arte e as relíquias, mas não são capazes de respeitar seu passado recente, como por exemplo quando tiveram que partir para o Novo Mundo há 100 anos porque não tinham o que comer aqui. Tratam os imigrantes como a pior praga possível, e se esquecem que quando eles chegaram no Brasil, nos Estados Unidos, nos outros paises europeus, foram recebidos, tiveram trabalho, respeito. Sim, tiveram dificuldades, mas quem não as tem? Pergunte a um bisnonno italiano que mora no interior de São Paulo se ele quer voltar pra Itália. A resposta provavelmente será: “sim, gostaria de ver minha terra, de morrer na minha terra”. Mas pergunte se ele trocaria sua vida brasileira por uma vida em seu país. Duvido muito, depois do que eu vi aqui, se a resposta será sim. São capazes de serem intolerantes com seus próprios compatriotas, de tratarem como “estrangeiros” os italianos do sul que vão ao norte em busca de trabalho, de colocarem cartazes nos hotéis de Torino dizendo “não se aceitam cães e meridionais”, de não alugarem casas para os meridonais, de lhe pagarem menos do que vale seu trabalho (se bem que em São Paulo a coisa não é muito diferente com os nordestinos...).

Uma vida sem alegria é o que vejo aqui. As pessoas não sorriem como nós. Claro, sorriem das piadas, têm seus momentos alegres, mas não levam a vida com um sorriso no rosto, prontos pra enfrentar um outro dia. Eu sei que não se pode sorrir diante da miséria, da fome, que esses problemas que temos deveriam nos fazer chorar e não sorrir. Mas se não tivéssemos dentro de nós essa alegria inata, essa disposição pra enfrentar as coisas, seria ainda muito pior. O povo brasileiro tem uma estranha característica, estranha pra todo mundo que vê pela televisão as imagens de um país que sofre com a situação econômica, mas e capaz de acreditar ainda. Somos um povo cheio de esperança, e por isso somos estranhos...

A alegria do Brasil os fascina, e agora fascina também a mim. Meu amigo Carlo, que vai ao Brasil a cada três meses e quando volta fica deprimido até chegar a data da nova viagem, me pergunta sempre: “Che cazzo sei venuta a fare qui???????????”. Não sei a resposta, mas concordo com ele em uma coisa. Um brasileiro aqui, pouco a pouco, vai se tornando cinza, vai perdendo suas cores, seu sorriso. Só volta a brilhar se vê uma outra bandeirinha verde-e-amarela, melhor ainda se um monte delas. E claro que essa é a minha experiência, vejo as coisas assim até porque deixei o Brasil por uma escolha minha, e não porque não tinha oportunidades ai. Sei que muitos daqueles que vieram porque o Brasil não podia lhes oferecer mais nada estão bem aqui, se tem trabalho e uma vida digna (se é que trabalhar 10-12 h por dia, seis dias por semana, ganhando dois terços do que ganha um italiano, morando em um ap de 60m com mais cinco pessoas, tendo que mandar dinheiro pro Brasil e ainda pagar 10 reais numa lata de coca-cola, se pode considerar uma vida digna.) Mas no fundo, mesmo quem se deu bem sonha sempre em voltar.

Lecce-Itália, 21/01/2004

Recomendação

Antes de começar a postar minhas próprias palavras, quero compartilhar com vocês um texto importante. Ele fala de uma preocupação que também é minha, e que é uma das razões de ser desse blog.

Crônica sobre a desinformação- por Martha Medeiros
13 de outubro de 2003

Os leitores desta coluna esperam que eu escreva sobre relações amorosas, mas peço permissão para, mais uma vez, escrever sobre clonagens literárias: textos que circulam pela Internet com a autoria trocada. A revista Veja abordou este assunto e citou como exemplo o texto A Morte Lentamente, que costuma ser atribuído a Pablo Neruda. Foi escrito por mim, e o título verdadeiro é A Morte Devagar. Portanto, lá vou eu de novo.
Vários textos meus circulam pela rede assinados por outros escritores. Atualmente o campeão de circulação é o texto Promessas Matrimoniais, que publiquei aqui mesmo no Almas Gêmeas em 17 de fevereiro deste ano, e que inicia assim: “Em maio de 98 escrevi...” – eu fazia referência ao texto Casamento na Igreja, também publicado nesta coluna em 26/05/98. Ambos tratam do mesmo assunto: o sermão do padre na hora do casamento.
Mas Promessas... tem passado de micro em micro como sendo de Mario Quintana, mesmo Quintana tendo morrido em 95 – ele não poderia fazer menção a um texto seu escrito em 98, portanto. Mas quem se liga nestes detalhes? As pessoas têm pressa, as pessoas lêem rápido, as pessoas não estão nem aí. Apertam a tecla "enviar" e passam a desinformação adiante.
Pois bem, e você com isso?
Você é parte fundamental disso. Por um lado, é muito bacana saber que os leitores gostam do que a gente escreve – e a maioria repassa com a autoria correta, é preciso dizer. Mas é preciso um mínimo de atenção. Não custa observar se o estilo do texto corresponde mesmo ao estilo do autor que está assinando. Há um outro texto meu, Felicidade Realista, que também é creditado ao Quintana, mesmo com o uso da gíria "sarado". Quintana morreu quando "sarado" significava "curado" e nada mais. Nem soube da existência da gíria. É fácil perceber este tipo de furo.
Na dúvida, não repasse textos recebidos pela rede. Ziraldo, Verissimo, Garcia Marquez, Jabor, Artur da Távola, Clarice Lispector, Quintana, são muitos os autores que aparecem assinando coisas que não escreveram ou vice-e-versa: tendo seus textos atribuídos a outros. Pense em como você se sentiria se a monografia que você levou um tempão pra escrever fosse copiada e apresentada por outro aluno. É a mesma coisa: estelionato autoral."

Blogando...


Depois de muita insistência dos amigos, que sempre me dizem que eu deveria publicar o que escrevo, finalmente resolvi aderir à velha onda dos blogs.
Evitei, por muito tempo, a tentação de me expor publicamente, porque o que escrevo são fragmentos da minha alma, e espalhar esses fragmentos na net não me parecia uma idéia muito sábia.
Devo confessar que um pouco dessa minha “má vontade” em blogar derivava também da minha imensa vaidade, à qual tento deseperadamente controlar. Vaidade essa que poderia também ser ferida pelas críticas dos leitores que eventualmente me visitassem. E essa sou eu no reino dos paradoxos...
Mas então um fato curioso aconteceu. Um pequeno texto meu, uma quase-poesia que postei como apresentação no meu perfil do Orkut, começou a circular através de pessoas que eu não conhecia. Qual não foi a minha surpresa ao deparar-me com minhas palavras utilizadas por alguém que eu nunca vi, que não tinha nenhum contato comigo, e que as recebeu através de e-mail de alguém que eu também não conhecia! E o pior, sem assinatura...
Confesso que fiquei chateada. Poxa vida, se você gostou do que leu, pelo menos repasse com os devidos créditos!, pensei... Para tentar evitar essa situação, ou pelo menos preservar a autoria de meus textos, resolvi bloggar. Quem sabe um dia eu resolva publicar uma coletânea das minhas crônicas, então é necessário que exista um registro, nem que seja virtual, de que fui eu quem as escrevi, para mais tarde não ser acusada de plágio... ( Boa desculpa pra justificar a satisfação da vaidade...;-))
Um conhecido meu postou em seu blog um texto bem interessante que se chama “ Para que blogar”. Resolvi usar suas palavras pra a minha justificativa final. Com os devidos créditos, é claro!
“Um blog! Pode ser uma boa ideia. Mas pera aí; Blogar eh podre ! Eu nao tenho nada diferente do vizinho. *Plop*, aparece meu ego em forma de um mini Narciso no meu ombro, me dizendo o quanto eu sou extraordinário. *Plip* aparece minha razão no outro ombro, em forma de um pequeno Spock, declarando que isso é totalmente illogico capitão. (...)
Talvez não tenha nada suficientemente novo a compartilhar, mas eu posso pelo menos tentar.” ( Gabriel Bizzotto - http://gbizzotto.free.fr/ )