quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Da série os homens e seus instrumentos



O power trio: guitarra, baixo e bateria. Harmonia de notas, grooves e sons. Três peças que compõem o todo ideal, ao menos no rock’n roll... Mas quem são essas peças, e quem é o homem por trás de cada instrumento?

A bateria exige um vigor físico diferenciado. O baterista está lá sentado, mas seu corpo está em total movimento. È o pé no bumbo, os dois braços se revezando na caixa, nos pratos, na percussão, é a boca que busca o microfone, e por ai vai. Às vezes parece que o baterista é um polvo, de oito ou até mais braços... Aliás, me lembro de uma fotografia de um grande batera em movimento, e tinha-se a ilusão de estar diante de Shiva, o deus hindu. Para mim, o baterista tem três características que o gabaritam como um homem interessante: levada, ritmo e criatividade. Os movimentos de alternância, quando bem executados, fazem realmente a diferença. Mas saber o momento de pegar leve ou pesado é o que às vezes falta ao baterista (com aquelas honrosas exceções dos homens que transitam bem por todos os gêneros, do jazz ao heavy metal.) O que ocorre no mais das vezes é que o batera de heavy metal, com toda aquela agressividade, não vai ser muito dado a momentos de ternura, enquanto do batera de jazz não se espera que te pegue pelos cabelos (aaaaaaaaaaaaah...!)

O guitarrista, bem esse é a estrela. Os solos são fenomenais, ele tem mil e um acessórios, pedal pra isso, pedal praquilo....Adora uma pirotecnia, tecnologia, e a simplicidade fica relegada a segundo ou terceiro planos. O rapaz tem muita habilidade manual, mas... O problema é que na maior parte das vezes o ego dele é enooooooooooorme. E o senso comum já diz, quanto maior o ego, menor o...(ops, melhor não dizer porque posso estar levantando falso testemunho;-). Mas o moço não é só defeitos, ele tem uma energia inesgotável, corre de um lado para o outro, toca a guitarra de frente, de costas, com a língua ( uuuui!). Vale a pena. Mas com o tempo...ah, tanta variação acaba cansando.

O baixista, bem, esse é um caso especial... Ele está lá, meio que escondido entre o polvo e a estrela. O instrumento dele não é o mais espalhafatoso (não me lembro de ter visto um em forma de estrela, purpurinado, em forma de raio, etc.). Acessórios só quando são absolutamente necessários. Na maior parte do tempo é só ele e o baixo.

Se o baterista tem a levada, o guitarrista seus solos pirotécnicos, o baixista é o dono do ritmo. Ele é a liga, a base para o som perfeito. Bateria sem baixo é só pancadaria, guitarra sem baixo não passa de gritaria. É o baixo que dá a constância, o peso do som. E o baixista, que para os ouvidos comuns passa muitas vezes despercebido, aos ouvidos de quem tem a sensibilidade para o instrumento, se transforma em um deus. Quando ele fecha os olhos e seus dedos ágeis tocam as cordas, mergulha na música como se aquele fosse o único e último momento.

E o homem que escolheu o baixo como seu instrumento, ah, esse é especialíssimo... Costuma levar para a vida o que faz com o baixo, é constante, dita o ritmo e faz com que seu corpo produza o som que ele quer. Seus dedos buscam a nota mais harmônica, sabendo que ele está ali para somar, completar e não pra ser o centro de tudo. E cá entre nós, consegue sempre. Até o modo de segurar o instrumento, perto do corpo, aconchegado, é o mais sensual de todos. Se for um baixo acústico então, é exatamente como se ele tocasse o corpo de uma mulher, delicado e ao mesmo tempo firme, como que para não deixar escapar.

O baixista sabe exatamente quando pode improvisar e quando deve simplesmente se deixar levar pelos sons. E seus solos... ah! Se você fechar os olhos naquele momento, vai sentir um arrepio que percorre seu corpo, como um choque, uma corrente de energia que vem dos seus pés e continua sembre subindo, sempre constante, até chegar à nota final: Grave, longa, ritmada... Perfeita! Acho que está aí a explicação da minha preferência por eles...

terça-feira, 28 de agosto de 2007

Reflexões sobre o ato de voar




“O lugar do pássaro é o ar, não o ninho”
(Gabriel o Pensador- “Brasa”)


Outro dia estava no aeroporto, esperando uma conexão, quando comecei a me lembrar do dia em que fiz meu vôo mais importante. Exatamente três anos antes tinha recebido a proposta que, sob tantos aspectos, mudaria minha vida: trabalhar na Itália... Dei-me conta que já tinha se passado tanto tempo desde o telefonema que me “jogou” nessa roda-viva que se tornou minha vida até esse ano e de repente percebi que no mesmo dia de minha decisão de deixar o país, exatamente três anos depois, o circulo se fechava...

Pensei na capacidade de voar...De avião ou em pensamentos. E em como essas duas formas se entrelaçam na minha vida.

Entrar em um avião para um vôo intercontinental pode parecer banal para um monte de gente, mas não foi para mim em nenhuma das vezes em que cruzei o atlântico, partindo ou voltando. Aquelas horas de vôo transformaram definitivamente a minha vida e todas as vezes em que subo em um avião, ainda que seja para um vôo de 45 minutos tenho a mesma sensação...De que uma simples decolagem pode significar muito mais.

Lembro-me em detalhes das sensações que as horas de vôo nas minhas travessias atlânticas provocavam, e o engraçado é que sempre foram sensações boas, tanto indo quanto voltando. Um misto de alegria por chegar e saudade do que já ficava para trás. Sonhos realizados e outros esquecidos. Novos e antigos - amigos, amores, desejos - que povoavam minha cabeça durante as horas em que o avião e meus pensamentos voavam.

Ao abrir as asas para deixar o ninho, os pequenos pássaros devem optar entre a segurança do que já conhecem ou a beleza do desconhecido. E fazem isso por instinto, por necessidade. Não sei se os pequenos animais emplumados entendem o significado desse momento, mas nós, que não possuímos penas e necessitamos de artimanhas para voar, temos consciência do salto para o abismo. E eu me pergunto se o amo somente o que o desconhecido pode me oferecer, ou se o que realmente me importa é a própria beleza do salto...

Quando deixamos nosso ninho em busca de novos ares, novos sonhos, conseguimos entender o que significa realmente voar. Voar para viver, conhecer, amar, sofrer. E voltar. Porque talvez o lugar do pássaro seja o ninho, não o ar....


Janaina Ferreira
Brasília, 20/06/2006