terça-feira, 13 de outubro de 2009

Leveza

Hoje acordei com uma sensação diferente. Abri as cortinas, o “céu de Brasília, traço do arquiteto” me saudou, escutei meus vizinhos tucanos (as aves, não aqueles partidários do muro) disputando as sementes do ipê em flor, a pequena do apartamento de baixo brincando, a vida se abrindo nas árvores, apenas para demonstrar que a primavera estava realmente lá. Inspirei longamente e todo o ar entrou no meu corpo sem barreiras. E me senti leve, incrivelmente leve.

Todas as coisas estavam onde sempre estiveram, o céu azul, os tucanos, as crianças, as flores. Mas nesta manhã, mesmo estando atrasada, mesmo tendo perdido a hora da aula na academia, mesmo com todas as preocupações no trabalho, a sensação era de estar caminhando sobre as nuvens, tão leve que pensei: talvez seja melhor jogar uma âncora para não voar...

Leveza é uma sensação libertadora! Não que os problemas tenham desaparecido, mas de repente ficaram bem menores. Passaram de dragões devoradores a pequenos lagartos que mudam de cor.

Percebi que carrego bagagem demais, e minha estrada fica mais difícil na medida em que coloco mais e mais coisas dentro da minha mala de preocupações.

Essa constatação veio num momento fundamental da minha vida, em que decidi parar de brigar contra o tempo e aceitá-lo como um companheiro de viagem. E nada melhor para encarar o senhor tempo do que uma boa dose de leveza.

O sol está mais brilhante, o céu mais azul, a primavera, mais presente? Ou será que fui eu quem tirou as pesadas armações e as lentes escuras da frente dos olhos?

Prefiro pensar que a resposta correta é a segunda, mas também não perco mais tempo com essas perguntas, simplesmente respiro fundo e penso leve...

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

A Insustentável Leveza do Ser

“O homem, porque não tem senão uma vida, não tem nenhuma possibilidade de verificar a hipótese através de experimentos, de maneira que não saberá nunca se errou ou acertou ao obedecer a um sentimento. Tudo é vivido pela primeira vez e sem preparação. Como se um ator entrasse em cena sem nunca ter ensaiado”.


Pelo fato da vida ser, relativamente, tão curta e não comportar “reprises”, para emendarmos nossos erros, somos forçados a agir, na maior parte das vezes, por impulsos, em especial nos atos que tendem a determinar nosso futuro. Somos como atores convocados a representar uma tragédia (ou comédia), sem ter feito um único ensaio, apenas com uma ligeira e apressada leitura do script. Nunca saberemos, de fato, se a intuição que nos determinou seguir certo sentimento foi correta ou não. Não há tempo para essa verificação. Por isso, precisamos cuidar das nossas emoções com carinho muito especial."

Milan Kundera - A Insustentável Leveza do Ser



"A vida exige leveza, assim como a viagem. A estrada fica mais bonita quando podemos olhá-la sem o peso de malas nas mãos."
(Fabio Melo)

Adoro comédias românticas






Adoro comédias românticas! Acho muito divertido sonhar com aquelas coisas acontecendo comigo, eu no lugar da Meg Ryan, com o Kevin Kline em Paris, que ajuda a esquecer o noivo que a abandonou no altar.
O nome desse filme é “Segredo do Coração” e há alguns anos tive que assisti-lo como “dever de casa”. Explico-me: fazia terapia pra superar o fim de um relacionamento, o primeiro relacionamento “sério” da minha vida e estava sofrendo muuuuuuuuito, não conseguia sair da depressão. O meu terapeuta, um santo homem, me dava esses “deveres de casa”: livros, filmes e musicas, pra pensar sobre. No auge do sofrimento, quando tinha certeza de que não agüentaria e que queria morrer (quem não passou por isso um dia, que atire a primeira pedra!), ele me disse pra alugar “Segredos do Coração”, que me ajudaria a entender algumas coisas. Fui pra casa imaginando que seria um filme sério, para pensar. Que nada! Era uma comediazinha romântica bem água com açúcar. Chorei muito, afinal estava ultra-sensível, mas não consegui entender o que deveria ter me feito pensar.
Na semana seguinte, voltei à terapia pensando o que teria pra discutir... Minha primeira opinião estava errada, tinha muito pra eu ver naquele filme banal. Na história, ela está desesperada para entender o porquê da atitude do noivo e quer a todo custo tê-lo de volta. Sua obsessão é tanta que nem se dá conta que as razões que a levaram aquela busca deixam de existir a cada dia, e que nem mesmo se lembra dos detalhes do rosto dele, seu sorriso, seu jeito.
Era aquilo que meu terapeuta queria que eu visse, que percebesse que cedo ou tarde eu mudaria de sintonia, esqueceria pouco a pouco até mesmo de como eram as feições do homem que eu tinha certeza que amaria pra sempre. Não preciso nem dizer que ele tinha razão, não é? Claro que não foi da noite pro dia, mas aos poucos fui esquecendo o som de sua risada, seus olhos, sua voz, até o momento em que percebi que não sentia mais. Assim.
Estou pensando na minha/nossa infinita capacidade de recolher os cacos e após alguns dias (ou semanas ou meses), se reinventar, dar a volta por cima e começar de novo. Ninguém ousa dizer que é ou será fácil, existem pessoas que sofrem anos a fio, não se recuperam nunca e acabam sucumbindo. O que não significa que suas historias de amor tenham sido maiores, mais intensas ou significativas do que as nossas. Significa apenas que essas pessoas não se deixaram desligar.
Felizmente, para a maioria de nós (ou pelo menos pra galera na faixa dos 30...), as coisas seguem um roteiro “chicobuarquiano”: Começa com a fase “Atrás da Porta” que, graças a Deus, passa bem rapidinho. Segue-se a fase “Trocando em Miúdos”, que é aquela que dói mais... “pode guardar/ as sobras de tudo que chamam lar/ as sombras de tudo que fomos nós/ as marcas de amor nos nossos lençóis/ as melhores lembranças”...Brrrrrrrrr!Alguns de nós vive em seguida a fase “Samba do grande amor”, um momento de negação; outros vão direto pra fase “Olhos nos Olhos”.
Um belo dia, as músicas do Chico deixam de fazer tanto sentido (ou as italianas, as sertanejas, as do Caetano, depende do seu gosto musical. Eu sou Chico de carteirinha, então...). Então você fecha os olhos e tenta se lembrar de como era o sorriso dele, e não vê nada mais do que uma imagem borrada.
Nesse momento você percebe que não dói. Não mais.


Imagem: " Le baiser de l'hotel de ville" de Robert Doisneau, in http://jornale.com.br/angel/wp-content/uploads/2009/02/robert_doisneau_le_baiser_de_lhotel_de_ville_kiss_at_the_hotel_de__25_313.jpg

Dependência

Os dependentes químicos, quando vão para a reabilitação, passam por alguns estágios antes de sair de cara limpa. O primeiro passo, e acho que o mais doloroso, é reconhecer a dependência. Então vem a fase da desintoxicação, em que aquele elemento causador da dependência é retirado do organismo, pouco a pouco ou de uma só vez. Ai há choro, dor física, desespero, revolta, ódio, síndrome de abstinência. O terceiro passo é de manutenção, o dependente deve conseguir ficar longe daquilo que o viciava. Nessa fase é um dia após o outro, tipo “estou há 10 dias limpo”.

Quem está de fora, olhando a luta dessas pessoas, muitas vezes pensa que o dependente não tem força de vontade de deixar para trás aquilo que sabe que lhe faz mal. E julgam e condenam sem, entretanto, pensar que dependência não é uma exclusividade dos viciados em drogas, lícitas ou ilícitas.

Se conseguíssemos observar nossas relações amorosas com o mesmo distanciamento que temos em relação aos dependentes químicos, entenderíamos que a dependência amorosa é uma realidade mais presente do que a química. Mas como não é abertamente condenada pela sociedade, continuamos a viver relações nas quais nos anulamos, e nos mantemos simplesmente por não sermos capazes de nos libertar.

Viver um relacionamento sem depositar no outro nossos sonhos, desejos e esperanças é um desafio diário, uma batalha que muitas vezes perdemos sem perceber. E separar o “eu” do “nós” é ainda mais difícil. Parece que a dois é sempre mais fácil, mesmo que isso implique em deixar de lado grande parte de quem você é ou pretende ser apenas porque falta coragem para enfrentar a dolorosa realidade de estar só.

O preço a pagar pela individualidade é alto, pois significa se libertar da dependência amorosa e ter a capacidade de ser inteiro, mesmo a dois. Se não conseguimos preservar a individualidade, conectamos de tal maneira nossa vida à do outro que, chegado o momento de sair da relação, não somos capazes de largar nosso “vício”, mesmo que tenhamos a consciência (ou inconsciência) de que o fim chegou. Em nome da segurança, do hábito, do medo de arriscar negamos o fim, mesmo que todos os sinais estejam ali, evidentes (e eles sempre estão, não tenho dúvidas disso). A gente só não vê porque dói menos ignorar.

É ai que começa a nossa reabilitação. O primeiro passo é reconhecer nossa dependência do outro, daquela relação, e resolver parar. O passo dois também envolve choro, dor física, desespero, revolta, ódio, síndrome de abstinência – quando achamos que não conseguiremos viver sem o outro. Essa fase é extremamente dolorosa e difícil, porque nos acostumamos a ter alguém ao lado, nos acostumamos com a voz, as risadas, o cheiro da pele. Esse estágio termina com a desintoxicação, nosso coração se acostuma com a ausência e se fortalece, entendendo que não depende mais.

Assim como o dependente químico, o dependente amoroso enfrenta o terceiro passo da reabilitação e também tem que viver um dia de cada vez. Mas, diferentemente da dependência química, ninguém vai nos condenar se repetirmos nossos padrões amorosos, e sairmos daquela relação para outra em que também não sejamos inteiros. Para ser capaz de deixar para trás esse circulo vicioso é preciso enxergar o amor não como uma forma de complementar o que não somos ou não temos, mas sim como mais uma bela experiência para enriquecer a vida de um ser humano inteiro.


Agosto de 2009

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Quando chega a hora do sacríficio*




“Há gaiolas feitas com ferro e cadeados.
Mas as mais sutis são feitas com desejos.”
(Julia Duarte)

Uma amiga, muito jovem e muito sábia, ao conversar comigo num momento em que eu estava sofrendo com o fim de um relacionamento, me fez entender uma coisa muito importante.

Ela comentou que aquele tipo de relacionamento era como o que estabelecemos com um cachorrinho, que compramos ou ganhamos ainda filhote, damos amor, carinho, atenção. Ai o cachorrinho vai crescendo, e nos afeiçoamos mais e mais a cada dia. Então ele fica doente. Levamos ao veterinário, damos um remédio, nosso cachorrinho melhora. Passa-se um tempo, ele adoece novamente. De novo veterinário, de novo remédio, nova melhora. Na terceira vez, o veterinário nos diz: “posso receitar remédio, mas não vai adiantar, ele vai melhorar e piorar de novo. O melhor seria sacrificar, para que nem você nem ele sofram mais.” Mas você não consegue, não quer sacrificar seu companheiro, por quem você se afeiçoou tanto. Sabe que o sacrifício é o melhor caminho, mas não tem coragem.

Assim são certos relacionamentos. Você percebe que acabou, que não dá mais, que vocês já tentaram tudo, mas simplesmente não consegue sacrificar. Fica pensando nos sentimentos compartilhados, nas alegrias vividas, e não aceita que o fim chegou.

E ele sempre chega, cedo ou tarde. Não existe eternidade nos relacionamentos humanos, assim como não são imutáveis nossos destinos e nossas escolhas. Aprender que por vezes devemos sacrificar o que prezamos, mas que se desgastou, perdeu o brilho e os significados, é fundamental para crescer e também aprender a conviver com as perdas. Depois de superada a dor, a ausência, o vazio, um dia acordamos com uma absoluta sensação de leveza, de que aquele peso não nos acompanha mais.

Isso não é uma visão pessimista, ao contrário. A dinâmica da vida, as mudanças diárias, as escolhas que fazemos, tudo leva à inexorável consciência de que temos que nos habituar com finais. E novos começos.


03 de outubro de 2009.

*Para Mayara, jovem e sábia amiga.

Imagem:http://www.salvavidasgetsemani.com/2009/01/22/misericordia-x-sacrificio/a.jpg