segunda-feira, 31 de maio de 2010

A beleza do salto




"Se você se achar preso num penhasco,
com um tigre faminto esperando no alto,
e outro tigre faminto esperando embaixo...
e, por acaso,
descobrir um único morango crescendo entre as rochas...
apanhe o morango...
leve-o à boca...
e o saboreie...
Nós estamos nesse penhasco.
Nossas vidas são tão frágeis e breves como a flor de cerejeira.
E têm a mesma fragância."

Há muitos anos li esse texto em uma história em quadrinhos. Não me lembro em qual nem quem era o autor, mas as palavras exatas nunca saíram da minha mente. Ainda hoje sonho em ver de perto as cerejeiras em flor no Japão, apenas para dar cheiro e cor a essa visão da vida. Uma visão que demorei muito tempo para partilhar, talvez por medo de encarar a fragilidade da própria vida e a necessidade de saborear os menores prazeres como se fossem os últimos, sem medo da mordida dos tigres...

Uma das cartas que mais me fascina no tarot é "O Louco", o número 0, o começo de tudo.O tarot descreve a jornada de autoconhecimento do Louco, ele mesmo representando o começo. No tarot que me acompanha, a imagem do Louco é a de um garoto que está na beiradinha de um penhasco, já com um dos pés para fora, pronto para se jogar. E é isso que o Louco representa para mim,o início de tudo como um salto para o desconhecido.

O Louco não sabe porque salta, ele é impelido àquilo. E não se preocupa com a queda, a morte, as consequências, para ele o que vale é a beleza do salto. É isso o que importa, o quão belo vai ser o momento em que os pés dele sairem da terra firme e o corpo se soltar no ar, em queda livre. Ele também tem consciência da fragilidade da vida e sabe que, se não saltar, não se jogar no desconhecido, dificilmente sua vida terá a doce fragância das flores de cerejeira.

Depois de muito hesitar,de mudar de caminho para evitar o penhasco, acho que finalmente consegui entender a mensagem do Louco. Não importa se você vai enfrentar os tigres, comer o morango ou pular no abismo. O importante é ter consciencia da fragilidade e da beleza que envolve cada momento, abrir os olhos e se entregar.


Foto:http://downloads.open4group.com/wallpapers/1024x768/arvore-na-beira-do-penhasco-5209.html

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Onde vivem os monstros


"A vida pode ficar muito pequena
quando olhamos para ela com
o olhar estreito.
O tédio acontece quando nos afastamos
da capacidade de nos encantarmos
com as coisas mais simples do mundo.
Porque para se estar aqui com
um pouco que seja de conforto na alma
há que se ter riso.
Há que se ter fé. Há que se ter
a poesia dos afetos.
Há que se ter um olhar viçoso.
E muita criatividade."
(Ana Jácomo)



Ultimamente tenho vivenciado experiências e feito descobertas muito significativas, sobre mim mesma e sobre o modo como vejo a vida.

Dentre essas descobertas, está a "religião" de um amigo: Contemplação e Gratidão. Sem dúvida é uma atitude muito interessante diante da vida, a ser copiada...

Mas e quanto à dificuldade de se abrir para essa visão de mundo?

A modernidade, a tecnologia, a globalização, a comunicação instantânea, trouxeram uma série de benefícios, mas a reboque também uma espécie de velocidade desmedida, uma postura acelerada, uma incapacidade de aceitar a calma, o que é lento, um ritmo diferente do frenético e caótico do dia-a-dia. E quando tentamos diminuir esse ritmo, desacelerar, corremos o risco de ser atropelados por quem vem atrás, já “com a mão na buzina”. Então seguimos naquele ritmo, incapazes de parar por um instante e olhar para o que realmente importa.

A questão é que, para conseguir desacelerar, reduzir o ritmo e abrir os olhos para um novo jeito de enxergar o mundo, antes de mais nada precisamos conseguir voltar esses mesmo olhos para dentro de nós mesmos, para o lugar "onde vivem os monstros". E ai reside uma dificuldade ainda maior do que aquela de conseguir contemplar o exterior, pois nossos monstros internos - medos, angústias, dúvidas- são muito mais assustadores do que aqueles que moram no mundo lá fora...

Quando aceitamos olhar para dentro e rever nossos padrões, conscientes ou não, de comportamento, nossas crenças e valores arraigados, saltamos para um mergulho profundo e sem rede de proteção, do qual dificilmente saímos ilesos...

Tudo isso pode soar meio “clichê”, afinal o discurso do olhar para dentro de si está presente em todas as correntes filosóficas, psicológicas e até religiosas, e não há nenhuma novidade no que estou escrevendo nesse momento. Mas peço para que você leia novamente as primeiras linhas desse texto. Eu falava de enxergar com outros olhos o que está fora de nós, aprendendo a contemplar.

O meu mais recente mergulho sem rede de proteção me trouxe, ou melhor, está me trazendo, além da compreensão inerente ao “inner work”, uma capacidade de enxergar que eu não conhecia, um olhar diferenciado, mais vivo, brilhante, aberto e também menos crítico. Como se, ao olhar para dentro, tivesse também tirado aquelas lentes escuras que me impediam de enxergar a beleza infinita que me rodeia e que também está dentro de mim. E conseguir enxergar a beleza da vida, simplesmente.

A capacidade e a coragem de direcionar o olhar para dentro de si, buscando realmente enxergar quem somos e qual o nosso potencial traz um bônus inesperado: “a capacidade de nos encantarmos com as coisas simples do mundo”, e ver a beleza de cada momento.

É claro que esse trabalho custa muito, é árduo e doloroso...Mas ninguém nunca disse que alcançar o conhecimento era um trabalho fácil...


* Para o Dú, que está tendo coragem de olhar para dentro, para o lugar "onde vivem os monstros"...


Imagem: http://blogcinemania.files.wordpress.com/2009/08/onde_vivem_monstros.jpg

quinta-feira, 13 de maio de 2010

O IMPOSSÍVEL CARINHO

Escuta, eu não quero contar-te o meu desejo
Quero apenas contar-te a minha ternura
Ah se em troca de tanta felicidade que me dás
Eu te pudesse repor
- Eu soubesse repor -
No coração despedaçado
As mais puras alegrias de tua infância!

(Manuel Bandeira)

segunda-feira, 3 de maio de 2010

"Custa tanto ser uma pessoa plena, que poucos são aqueles que têm a luz ou a coragem de pagar o preço...
É preciso abandonar por completo a busca da segurança e correr o risco de viver com os dois braços.
É preciso abraçar o mundo como um amante.
É preciso aceitar a dor como condição de existência.
É preciso cortejar a dúvida e a escuridão como preço do conhecimento.
É preciso ter uma vontade obstinada no conflito,
mas também uma capacidade de aceitação total de cada conseqüência
do viver e do morrer"

(Morris West, em As Sandálias do Pescador)