domingo, 22 de agosto de 2021

Sobre Paris, Texas.

 



O filme da minha vida foi dirigido por Wim Wenders. E por causa dele, aos 16 anos comecei a buscar todas as suas obras que existiam nas locadoras (sim, sou desse tempo) e depois os que passaram em festivais a que tive acesso na juventude. Entre os filmes de Wenders que assisti dos 16 aos 25 anos, até finalizar minha obsessão com Hotel de um milhão de dólares, esteve Paris Texas.

Salvo engano, tinha uns 18 anos quando o assisti, porque peguei na locadora e acho que ainda era VHS... Não me lembro de ter revisto depois disso e tinha apenas algumas lembranças enevoadas sobre o filme. Mas duas eram bem nítidas: Se tratava de uma história de amor e a Natassja Kisnki era, junto com Isabella Roselini, uma das mulheres mais lindas que já tinha visto no cinema.

Esse texto não será uma crítica do filme, mas sim uma visão pessoal com alguns toques de cinefilia que vem se intensificando graças às discussões semanais com meu grupo de cinema. 

O primeiro ponto que deve ser comentado é, obviamente, a ficha técnica desse filme. Além da direção primorosa de Wenders, o mais americano dos diretores alemães, a fotografia de Robby Müller (que colaborara antes na trilogia de road movies), o argumento do dramaturgo e ator Sam Shepard e a trilha sonora de Ry Cooder foram  elementos que levaram o filme a se tornar o sucesso de critica e público que foi na época e o mantém até hoje como um ícone para os cinéfilos. O deserto nunca foi tão belo quanto em Paris, Texas.

No inicio do filme, Travis (Harry Dean Stanton) caminha sem destino, na paisagem árida do Texas, o que já revela o quão vazio e desesperançado está o personagem.  Ao ser “resgatado” pelo irmão Walt (Dean Stockwell), ficamos sabendo que Travis está desaparecido há quatro anos, e que Walt procurou por ele sem sucesso. Travis parece perdido, sem compreender o que está acontecendo, apesar de aparentemente se lembrar do irmão, que tenta trazê-lo para a realidade, conversando, fazendo perguntas sobre onde ele esteve nesses anos e o que aconteceu, sem conseguir respostas. Após o “resgate”, Travis ainda tenta retornar à sua caminhada em direção ao nada, para novamente ser trazido pelo irmão de volta à realidade. Temos nessa introdução uma boa visão do personagem, como alguém perdido, sem rumo e vazio, como o olhar de Richard Dean Stanton consegue expressar sem que palavras sejam necessárias.

Estamos em um road movie. Portanto, as cenas do carro em movimento, a paisagem vista da janela e os diálogos entre os personagens enquanto viajam, tanto no primeiro quanto no segundo ato, são amalgamados por Wenders de uma maneira absolutamente orgânica e Travis, seguramente, está em seu habitat ao volante do carro percorrendo o deserto.

Travis parece desmemoriado e apenas pouco a pouco vai abrindo espaço para lembranças que, vamos entender mais a frente, oculta de si mesmo. Quando conhecemos a cidade que dá titulo ao filme por meio da fotografia que Travis carrega, entendemos que sua “amnésia” é seletiva e a perda de memória é na verdade uma defesa do personagem, por não ser capaz de explicar, ou justificar, seu desaparecimento e o abandono do filho Hunter. Novamente o olhar perdido e desalentado do personagem fala muito mais do que qualquer diálogo seria capaz.

Mais do que os diálogos, são os silêncios, gestos e olhares que nos ajudam a perceber os personagens e suas dinâmicas como, por exemplo, a intimidade que havia entre os dois irmãos no passado. E quando Walt, com impaciência, diz a Travis que também é capaz de ficar em silêncio, apesar de por várias vezes insistir em saber o que o fez desaparecer, temos a deixa para compreender que seu amor pelo irmão é capaz até mesmo de calar a frustração, como ocorrerá no fim do primeiro ato, quando Hunter parte com Travis.

Já a relação de Travis com o filho vai sendo lentamente (re) construída nos dois primeiros atos, e se revela de uma maneira muito doce quando Hunter se despede de Walt dizendo boa noite, papai (good night daddy) e de Travis, com boa noite Pai (good night Dad), ou ao explicar para o colega da escola que aquele homem engraçado de terno e chapéu era “o irmão do papai e meu pai” e dizendo que tem dois pais porque talvez tenha sorte (confesso que lágrimas apareceram nessa cena). Vemos essa relação se fortalecendo e a intimidade se formando na viagem de carro, quando a cor vermelha, característica de Travis, aparece nas roupas de Hunter.  Aliás, a cor vermelha, claramente representando a paixão de Travis, começa timidamente no boné do protagonista e vai tomando conta do filme até culminar na luz vermelha que o cerca ao reencontrar Jane e compreender finalmente onde aquela paixão o levou.

Chegamos então ao terceiro ato, quando somos apresentados a Jane, a mãe de Hunter, e aos motivos do abandono do garoto e do desaparecimento de Travis.

Quando Travis finalmente a encontra, somos levados a pensar que talvez o problema tenha sido o comportamento dela, afinal, é ela que está em um local “suspeito”, e Travis pergunta se sai com homens fora dali, o que ela nega. Mas é fácil para o espectador imaginar: Jane é tão bonita e jovem, Travis tão mais velho, não seria de se estranhar que fosse prostituta, por exemplo, e que esse tivesse sido o motivo da separação e do abandono.

A verdadeira explicação só nos é dada nos 15 minutos finais: Um Travis extremamente violento, a depressão pós-parto, um relacionamento doentio, permeado por ciúmes e insegurança e uma Jane totalmente submetida, para quem a única saída foi, num momento de descuido, fugir como o filho e entregá-lo aos tios para que, sozinha, finalmente conseguisse realmente escapar da fúria de Travis. 

Nesse ponto, um gosto amargo ficou na minha boca, com o qual ainda estou lidando: a forma como essa história nos é narrada, pois Travis a conta em terceira pessoa, escondido atrás de um espelho. Wenders conduz a cena de uma forma que o espectador se compadeça dele. Apesar de fazer sentido que se esconda, pela culpa e pela vergonha que provavelmente o fizeram se perder e começar a caminhar sem rumo, como o encontramos na primeira cena, a sensação que tive foi de que Travis, ao entregar Hunter para Jane e ir novamente embora como um cavaleiro solitário, encontra redenção, terminando o filme como um herói.

Quando Travis está contando para Jane a história “do casal que ele conheceu”, ela aos poucos vai reconhecendo, sejam as referências, seja a voz do ex-marido, temos o monólogo que revela todo o brilho do roteiro de Sam Shepard e a interpretação absolutamente entregue de Natassja Kinski, que vai demonstrando em seu rosto o medo, a tristeza e até mesmo o amor que um dia viveu nela: 

Eu costumava fazer longos discursos para você. Eu costumava falar com você o tempo todo, embora estivesse sozinha. Passei meses conversando com você. Agora, não sei o que dizer. Era mais fácil quando eu apenas imaginei você. Até imaginei você falando comigo. Teríamos longas conversas ... nós dois. Era quase como se você estivesse lá. Eu pude te ouvir. Eu podia ver você, sentir seu cheiro. Eu podia ouvir sua voz. Às vezes, sua voz me acordava, no meio da noite, como se você estivesse no  quarto comigo. Então, lentamente desapareceu. Eu não conseguia mais te imaginar. Tentei falar em voz alta com você como costumava fazer, mas não havia nada lá. Eu não podia mais  te ouvir. Então, eu simplesmente desisti. Tudo parou. Você ... simplesmente desapareceu. Agora estou trabalhando aqui. Eu ouço sua voz o tempo todo. Todo homem tem sua voz.

Todo homem tem sua voz. Essa fala na boca de Jane, da forma como Wenders dirige a cena, soa como uma mulher que se recorda de um amor, e parece que esse amor nunca morreu. Mas para qualquer mulher que foi abusada, tratada com violência, que esteve numa relação tão abusiva quanto a de Travis e Jane, essa sensação de “todo homem tem sua voz” é apavorante.

Há sentimentos contraditórios em mim: Como continuar a gostar tanto de um filme que, num primeiro olhar, romantizaria uma relação abusiva? Fiquei um tempo pensando nisso e fui procurar criticas que tivessem feito referência ao assunto. Sem surpresas ao verificar que NENHUM crítico brasileiro que escreveu sobe o filme falou sobre o relacionamento abusivo, nem superficialmente. Na busca por criticas em inglês e francês, a mesma coisa. “Coincidentemente”, só encontrei críticas escritas por homens... Nem mesmo em criticas atuais, dos anos 2010 em diante, há referências. Paris Texas é um cult movie por excelência, talvez por isso haja uma aura de reverência que impede a crítica de apontar certas questões, mas para mim o gostinho amargo ficou. Jane tem seu filho de volta e Travis volta para a estrada, mas esse não é um final feliz.

A resposta que encontro é, de certa maneira, perdoar Wenders e Shepard por terem criado Travis como um personagem que, por décadas, tem sido visto como o cara que tentou consertar seus erros. Em 1984, fazia sentido.

quinta-feira, 15 de abril de 2021

A Metamorfose dos Pássaros

 


A Metamorfose dos Pássaros (2020 - Portugal)

Direção e Roteiro: Catarina Vasconcelos

Elenco: Manual Rosa, João Móra, Ana Vasconcelos, Henrique Vasconcelos, Inês Campos, Catarina Vasconcelos


A primeira sensação que tive assistindo à Metamorfose dos pássaros é que o filme deveria fazer parte de alguma exposição permanente no Metropolitan Museum, numa tela bem grande, passando em looping, porque cada cena é uma pintura. Confesso que fiquei curiosa para saber se Catarina Vasconcelos e seu diretor de fotografia, Paulo Menezes, construíram aquelas composições, em especial as naturezas mortas e paisagens impressionistas do primeiro ato, baseadas em pinturas já existentes, porque me sentia admirando as paredes de algum dos tantos museus que já visitei. A diretora, em uma de suas entrevistas, confirmou minhas suspeitas: “Todo este lado que vem mais das artes plásticas foi muito importante e o filme não podia ter sido construído noutro sítio. Foram as soluções que encontrei para dar resposta a coisas que eu sentia”.

Os quadros que acompanham Beatriz e sua vida com os filhos, apesar de claramente terem as cores do passado, com seus tons terrosos, são quentes, acolhedores. Beatriz é a natureza, e mesmo sendo retratada com a composição das naturezas mortas (e isso não é desrespeitoso, pois já sabemos que se trata da história dessa mãe que se foi), Beatriz continua viva e presente até o minuto final.

Já as telas que pertencem a Henrique, ainda que igualmente belas, mantém o tom cinza azulado do mar e a melancolia que é impossível dissociar daquela vida distante do calor da amada. “Os marinheiros miram aquela linha que separa o mar do firmamento, pois se lembram que lá estão todos aqueles que amamos”

E o que dizer da memorável passagem depois da cena no rio, quando as pinturas que acompanharam Beatriz e Henrique vão dando lugar a outras telas, mais contemporâneas? Ali, na cena dos fantasmas no bosque, prendi a respiração, e começaram as lágrimas, que só pararam depois dos acordes finais da Sonata de Schubert.

“Os mortos não sabem que estão mortos. A morte é uma questão dos vivos. Ainda hoje não me lembro do dia, porque os dias onde algo tão grande acontece, como a morte de uma mãe, nunca se tornam memórias, eles ficam para sempre presos em nós, como sinais que nascem na pele para nunca mais sair, são demasiado dolorosos para habitar nosso cérebro, por isso os mantemos na pele.”

Ainda teremos as pinturas que acompanharão Jacinto e Catarina, a partir da tela em branco que inicia a relação de pai e filha (que imagem, meus amigos, que imagem!), às vezes minimalistas como os olhos no espelho, outras vezes grandiosas como as montanhas, até chegar à composição final, o encontro definitivo do mar e da terra no pequeno barco. “Catarina vai ser bonito ver-te voar”

E se não bastasse a poesia imagética construída durante todo o filme, há também a poesia das palavras. A história de amor contada através das cartas que ninguém leu. A história da mãe que era árvore e em cujos ramos os filhos balançavam. A história dos cavalos marinhos, que trazem em si, como as mães, todas as memórias do mundo. A história do filho que sofria o terror dos colonizados e que vivia a falta de oxigênio “no país e nas pátrias imaginárias onde tudo tinha o nome daquele homem que sufocava aquilo que tocava”. O mesmo filho que se olhava no espelho e não se via a si, mas ao pó, e que por fim entendeu que o pó das molduras era a passagem do tempo e talvez o pó não tivesse sido em vão. A história da filha que não queria repetir a mesma sina das tomadas, fêmeas, que estavam presas às paredes da casa sem poder se mexer, e de quem dependia a ligação de tudo que importava, enquanto os plugues,machos, estavam livres para ir aonde queriam. A história dos filhos que, quando a mãe deixou de balançá-los em seus ramos, caíram todos no chão, sem saber como se levantar. “Eu nunca esquecerei como era ver o mundo empoleirado em seus braços”

Catarina Vasconcelos constrói uma afinada sinfonia de imagens, sons e palavras para falar sobre luto, amor, família, mãe, liberdade, a passagem do tempo e, até mesmo, sobre Salazar.

Há filmes que nos tocam pelo roteiro, histórias que conversam intimamente com nossas emoções. Outros porque os diretores são hábeis o suficiente para provocar essas sensações mesmo que o espectador não entenda como aquelas lágrimas chegaram ali.

E há aqueles que são beleza em estado puro. Esse é o caso da Metamorfose dos Pássaros. Tanta beleza que chega a doer.

quarta-feira, 25 de novembro de 2020

I'm not Carrie anymore.

Eu costumava escrever. Achava que meu gênero literário eram as crônicas, porque falava (e escrevia) sobre temas “universais”: amores perdidos, solidão na cidade grande, uma mulher que não se encaixava nos padrões. Jurava que era Carrie Bradshaw... Mas e hoje, que diferença realmente faz ser Carrie Bradshaw? Aliás, quem é essa mulher, tantos anos (e bits) depois? 

Quando completei trinta anos, no meio de uma crise, a famosa crise dos trinta, falei sobre o assunto. Mas o ego era tão gigante que não entendi nada. Assim como Caetano: "Você não está entendendo quase nada do que eu digo, eu quero ir-me embora, eu quero é dar o fora, e quero que você venha comigo."

O problema é que não dava mais para ninguém vir comigo. E tampouco dava para ser aquela mulher, tipo Sex and The City, por mais que o convite fosse romântico e tentador.

Isso tudo terminou lá em 2005, e órfãs românticas foram deixadas para trás, suspirando com as reprises das histórias e esperando o resgate pelo príncipe encantado. Eu fui deixada para trás, felizmente.

Quem me resgatou? Eu mesma, e o feminismo.

Não me reconhecia feminista. Não entendia o que significava ser feminista, mesmo tendo lido Simone de Beauvoir.  Precisei de mais, mais do que entender academicamente. Mais do que as definições do dicionário.

Precisei entender que sororidade não era uma palavra vazia, mas palavra que  buscava garantir a solidariedade para quem era “irmã”.

Precisei sentir que meu discurso ecoava além da mera liberdade individual e liberal-feminista, para também entender que meu corpo, minhas regras era pouco, muito pouco, para garantir o meu, o nosso espaço, os mesmos direitos e, acima de tudo, a mesma liberdade. 

Amanheci e aprendi. Cresci. Floresci.

E nos últimos quinze anos passei a ter orgulho de dizer: Por mais que tenha um carinho especial pelas historias que escrevi, e vivi, não sou mais Carrie. Isso passou, e hoje sou só Janaina. 45 anos, livre, leve, feliz e...FEMINISTA. 

(A única coisa que não mudou foi a fé nas minhas amigas, essa só aumenta!)

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Nayara faz trinta anos, ou “nossa, como a Nayara cresceu!” *

É bem verdade que outro dia ela era um bebê branquinho como o Miguel, que engatinhava atrás de chicletes no chão ( quanto mais pisados, mais ela gostava. Não se assustem, isso criou todos os anticorpos necessários para que ela não adoecesse fácil)...

É bem verdade que outro dia ela tinha três ou quatro anos e era a menina mais manhosa do mundo, daquelas de deitar no chão do supermercado e espernear , bater braços e pernas até ficar quase roxinha e não escorrer nenhuma lágrima...

É bem verdade que outro dia ela estava agarrada na saia da Niúra, a mãe menor dela, seguindo todos seus  passos com aquelas perninhas...

É bem verdade que  outro dia ela estava vestida de Spice Girl dançando no quintal com a Lud, a Milu e a Niúra.

É verdade também que coisa de uma semana atrás ela fez quinze anos, numa festa temporã, com direito a valsa e bolo, e troca de vestidos, e todos os amigos.

E é também verdade que ontem ela entrou na faculdade pra aprender a embelezar e cuidar das pessoas, e vejam só, mês que vem ela já se forma!

Opa...mas ela hoje está completando 30 anos...como pode? Se parece que foi  outro dia mesmo  que  entrei no Hospital da Asa Norte, pelas mãos do papai, junto com o Jaime para ver pelo vidro do berçário aquela  bebezinha  branquinha e pequenina? Se foi ontem mesmo que coloquei ela no colo com o macaquinho alaranjado, que ajudei a trocar a primeira fralda, que fui caminhando com ela pra escolinha, que ajudei nos castelinhos nas areias de Prado,  que levei ao cinema, que fiz o bolo para o aniversário? Opa...alguma coisa aconteceu, e eu nem percebi: Nossa, como  a Nayara cresceu! E apareceu, e continuou linda e amorosa , mesmo sendo garota enxaqueca as vezes...

Mais uma irmã completa trinta anos. E eu, quase na curva dos quarenta, olho para trás e só vejo aquela menina de cabelos dourados e vestidinho branco com frutinhas, fazendo pose que nem gente grande.

Quem disse mesmo que o tempo passa?

Feliz Aniversário, brancoila! Os trinta são muito legais, acredite ( mas acho que você já percebeu...)!

Um beijo da sua irmã maior.

*Ps: Sim Digão, a Nayara cresceu

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Não há lugar no mundo...


           115 anos de BH...Lembro-me tão bem da festa dos 100 anos, 1997, eu tinha 4 anos de cidade, ainda estava conhecendo suas ruas, praças e parques. Mas já era apaixonada pela sucessão de esquinas, cuja poesia não era nada dura nem concreta como a que canta Caetano de sua Sampa, mas sim cheia de redondilhas e rimas...

           A família desgarrada já tinha se reunido novamente e a cidade tinha nos recebido a todos de braços e coração abertos.

           Mas, como diz meu amigo Bruno , (que conheci exatamente nesse ano, na festa de encerramento do FIT especial BH 100 anos), minhas asas são muito grandes, e em 2003 sai daqui para tentar outros ares. Respirei, senti, mas meu coração sempre batia mais forte ao voltar para visitar a família, os amigos.

           Depois de um tempo sem lar, sem chão, voltei para minha cidade natal, Brasilia, achando que ali era o lugar de me encontrar. Foram 5 anos de idas e vindas a BH para chegar o momento de entender que, mesmo tendo nascido ali, naquele planalto amplo, minha alma já não pertencia à aridez e ao concreto, mas sim às montanhas, aos vales e cachoeiras que circundam a minha Belo Horizonte.

             E a cidade me recebeu de novo com o mesmo sorriso, e cá estavam os amigos que não se perderam, a família cada vez mais mineira, meu GALO, as ladeiras ( como gosto de ver as ladeiras...) as praças, parques, pães de queijo... E a cidade com uma vocação cultural incrível, me mostrando alegria, vivacidade, magia.

            Meu coração bate forte e feliz nessa cidade que me acolheu como os mineiros acolhem (depois que passa a fase da desconfiança, rsrsrs) e, apesar de meus amigos queridos de Brasília acharem ruim quando eu falo isso, hoje me considero 100% belohorizontina.

             Sei que minhas grandes asas ainda vão querer se abrir e alçar outros voos. Mesmo resolvendo partir para alguma outra aventura, já entendi que NÃO HÁ LUGAR NO MUNDO MELHOR QUE BH!!!!!!

              FELIZ ANIVERSÁRIO para essa cidade linda, minha casa, meu lugar no mundo.

Aos 115 anos de Belo Horizonte


Escrevi esse texto há exatos 6 anos, quando estava vivendo em Brasília, me sentindo muito perdida, sem casa, sem rumo. E com uma enorme saudade da minha BH...


Apaixonar-me

Em um episódio de "Sex and the City" a Carrie, cansada de não ser amada ou de não amar ninguém, descobre que seu mais longo e duradouro caso de amor é com a cidade de Nova York. Nesse episódio ela literalmente "namora" a cidade, vai a lugares que fazem parte da historia dela, senta em cafés sem estar acompanhada (não exatamente só, afinal ela esta com a cidade.), passeia pelo Central Park, e termina dizendo: se você ama Nova York, a cidade nunca te deixará sozinha.
Na minha atual fase, estou me sentindo muito Carrie, cansada de não amar ou ser amada, mas,  pra piorar, atualmente vivo nessa cidade com a qual, por mais que tente, não consigo ter nem um romance fugaz. Um caso de amor, então...
Ando pelas ruas (ou melhor, passo de carro.) e não consigo enxergar beleza ou poesia. Afinal, que poesia pode ter uma cidade sem esquinas???? Nesses dias, pra piorar, a chuva resolveu desabar e nem mesmo o famoso "céu de Brasília, traço do arquiteto" dá o ar de sua graça.
Tenho tentado, desde o início, viver Brasília, vê-la com olhos de filha dessa terra, entender o que se passa com quem ficou e gosta da cidade. Afinal, voltar para cá foi uma opção minha, sentia ser a hora de fazê-lo, pois minha vida estava sem norte e eu pensava que voltar pra casa, pra terra onde nasci, poderia me trazer chão, perspectivas. No quesito perspectivas não posso dizer que a cidade me decepcionou, afinal, se não estivesse aqui provavelmente não teria passado em um concurso, não teria o trabalho que tenho hoje e outras tantas coisas que o fato de estar aqui me proporcionou. Entretanto o custo não foi baixo e acabei percebendo que estar na Capital significa, de certo modo, perder-me dos meus sonhos, mas isso é uma história muito longa, a ser tratada em outra ocasião.
O problema é que tentar sentir Brasília como casa, I must confess, tem sido uma luta vã. Não consegui encontrar - na falta de esquinas, de gente, de vida urbana - uma alma em Brasília, a alma de uma cidade pela qual eu pudesse me apaixonar. Infelizmente estou percebendo que essa ausência se reflete também nas pessoas e começo a ver que, numa cidade na qual a linha do horizonte tem praticamente 360º, as pessoas dificilmente conseguem enxergar algo além do pára-brisa de seus carros.
Quando então meu coração clama pelo apaixonar-me, fecho os olhos e me imagino caminhando pelos corredores do Mercado Central, sentindo todos os perfumes dos temperos, das flores, dos queijos. Tomo uma cerveja gelada de pé no balcão do bar, um copo se quebra e ouço ecoar: Gaaaaaaalo! Ganho uma rosa do Tielo, compro castanhas, chocolates e parmesão...Ai vou ao Parque Municipal, vejo as crianças no laguinho, o burrinho disfarçado de zebra, os casais namorando na grama, me sento na porta do Chico Nunes, esperando começar o espetáculo, domingo de música no parque.
 Então subo a Rua da Bahia, caminhando, ao meu lado vejo a Igreja de Lourdes e as pessoas que saem da missa me dizem boa noite. Continuo subindo e chego ao Belas Artes, me sento e tomo um chá gelado, como um pão de queijo recheado(mmmmm....), entro na livraria, folheio dezenas de livros, cumprimento alguém conhecido. Saio e vejo a Praça da Liberdade iluminada pelas luzes de Natal e vejo também as pessoas que caminham ali todos os dias, ao se cruzarem, um cumprimento.
Sento-me em um banco da praça e penso em Drummond na janela, que tantas vezes olhando para essa mesma praça pensava em como tinha orgulho de pertencer àquele lugar, mesmo mantendo o coração itabirano.
O que preciso não é me apaixonar por Brasília...


Brasília, 12/12/2006

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Sobre partidas, retornos e asas.

Passei o último mês conhecendo e re-conhecendo lugares.

A Europa  esteve no meu imaginário desde muito pequena, quando meu pai foi a Paris e, na volta, prometeu que me levaria para conhecer a Cidade Luz. Eu tinha quatro anos e ali comecei a sonhar com o dia em que pousaria naquela terra tão antiga.

Quando desembarquei pela primeira vez em Paris estava a caminho da Itália,  do meu sonho de menina só vi o aeroporto. Vivi na Europa por dez meses e, mesmo em contato com outra cultura, outros cheiros, cores e sabores, tudo sempre me pareceu muito natural, nunca houve um estranhamento, nem mesmo uma excitação tão grande quanto a das pessoas que acompanharam minha mudança para o velho continente. Parecia que eu não estava em um país estranho falando outro idioma. Voltei para o Brasil e da mesma maneira não estranhei as diferenças, a sensação de normalidade continuou.

Um ano depois peguei novamente um avião tranconstinental. O destino final era a Itália, mas dessa vez eu ficaria alguns dias em Paris, o sonho virara realidade. Foram talvez os cinco dias mais felizes que já vivi. Totalmente sozinha, eu andei por toda a cidade, reconheci as ruas, as esquinas, falei francês, comi baguetes, li nos parques. A sensação era de total pertencimento, como se sempre tivesse caminhado pelas ruas da cidade.Vivi mais cinco meses numa vilazinha escondida no interior da Itália e então voltei ao Brasil.

Foram necessários outros seis anos para entrar novamente em um avião transcontinental, mas dessa vez apenas para fazer turismo. Maratona de seis países em trinta e seis dias - Austria, Republica Czeca, Italia, Turquia, Espanha e França, somente as capitais, com exceção da Turquia, na qual visitamos o interior.
Uma longa, interessante e divertida viagem que terminou na minha cidade dos sonhos. E novamente a mesma sensação, de ser tudo tão natural.

Vinte e sete mil quilometros percorridos, dez cidades, dez museus, dezenas de pontos turísticos, algumas ruinas de mais de dois mil anos, quase uma dezena de igrejas, outros tantos bares, restaurantes e praças. E pessoas de diversas nacionalidades, gentis, estranhas, curiosas, agradáveis, bonitas, inteligentes, simpáticas, e também hostis, desagradáveis, agressivas.

No fim, ao voltar para casa, minha principal conclusão é que não pertenço a um lugar específico. Poderia viver em quase todas as cidades pelas quais passei ( talvez não na Turquia, afinal, lá as mulheres devem cobrir a cabeça... :/). O mundo é a minha casa, como já me disseram uma vez, e não é estar em um determinado lugar que vai me fazer feliz, porque a festa da felicidade acontece é dentro de mim.

Mas, como diz meu querido amigo Bruno, minhas asas são grandes, daqui a pouco terei que abri-las novamente para voar. Por minha alma não ter raízes, viajar, sim, é preciso.


"Viajar! Perder países! 
Ser outro constantemente, 
Por a alma não ter raízes 
De viver de ver somente! 
Não pertencer nem a mim! 
Ir em frente, ir a seguir 
A ausência de ter um fim,
E a ânsia de o conseguir! 

Viajar assim é viagem. 
Mas faço-o sem ter de meu 
Mais que o sonho da passagem. 
O resto é só terra e céu." 

Fernando Pessoa