sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Palavras Emprestadas - Janaína do Arocá, Iemanjá-menina, por Daniel Abreu




Procura-se um amor
Fora de época,
Que provoque calor,
Sentimentos de uma dor incerta.

Procura-se alguém
Tão meio sozinho.
Alguém que me ache,
Que me faça voar pra fora do ninho.

Mas palavras são meias palavras,
Nada mais, nada mais.
E o homem que vive num conto de fadas,
Nada faz, nada faz.

Janaína,
Princesa do Arocá,
Te faço uma piscina
Pra evitar o mar.

Assim, numa boa
Podemos namorar,
Eu sobre uma canoa
E você a mergulhar.

Janaína,
Iemanjá-menina,
Ensina-me a nadar
E chegar aos braços teus,
Que eu te mostro o que é amar.

Mas palavras são meias palavras,
Nada mais, nada mais.
E o homem que vive num conto de fadas,
Nada faz, nada faz.

Janaína,
Rainha do mar,
O que pensam papai e mamãe
De a gente se casar.

Pássaro com peixe,
Ninguém sabe o que vai dar,
Mas o importante é o desfecho
Que o amor vai nos levar.

Janaína
Da imensidão azul,
Não chorais um mar de lágrimas
De temer a solidão,
Que eu aqui só tô pá tu.

Mas palavras são meias palavras,
Nada mais, nada mais.
E o homem que vive num conto de fadas,
Nada faz, nada faz...

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Insônia e paz



Então, numa noite qualquer, ao se deitar para dormir, você sente que tudo está no seu devido lugar.

Estende um olhar para si e compreende que as coisas buscadas lá fora sempre estiveram dentro de você,  ao alcance da mão. O castelo construído nos sonhos não é tão brilhante e atraente quanto aquele em que você já morava, mas seus olhos, acostumados, tinham se esquecido de admirar.

Entende que todo o drama e aquela dor que duraria a vida inteira não passaram de mais um pequeno aprendizado, ao lado de tantos outros.

Que seu coração não é de adamantium - porque permite ser partido- mas de um material flexível, maleável, adaptável e, acima de tudo, autocicatrizante, igual ao espírito humano.

Entende que o modo como você vive seus desejos, sonhos, prazeres, frustrações, escolhas, é seu e somente seu, ninguém pode lhe mostrar o melhor caminho, porque o perfeito para o outro não necessariamente vai ser a melhor estrada para você.

E perde o sono mais uma vez, diante de toda a compreensão. Porque no fundo é assim que funciona essa nossa vida: algumas noites as perdemos na confusão dos sentimentos, outras em sua clareza.

Creio que as escolhas que fazemos dão a real medida de nossa grandeza.  Nesse momento sinto como se tivesse aberto uma grande porta e entendido, finalmente, quão longe as escolhas me levaram e quanta grandeza trouxeram.

Sou grata, muito grata.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Sobre luto, dor e a ditadura da felicidade


"Deixa em paz meu coração/
que ele é um pote até aqui de mágoa/
E qualquer desatenção/faça não/ 
Pode ser a gota d'água"  
(Chico Buarque - Gota d'agua)
 


Você tem uma vida ótima! Não lhe falta nada, sua carreira está estabilizada, você paga suas contas, tem bons amigos, se diverte, ama, seu pai e sua mãe estão bem, tudo é perfeito! A vida é linda, o sol sorri para você toda manhã, há beleza em todas as esquinas.  Então porque diabos você não está feliz?

Pessoas assim não têm o direito de, mesmo momentaneamente, ficar tristes. Infeliz então, é impossível. Sofrimento ou dor emocional, sem chance. Você não é uma criança abandonada, você não passa fome, você não está numa zona de guerra, você não tem uma doença grave, você não perdeu um braço, uma perna, a visão. Então, decididamente, você DEVE ser feliz. O tempo todo.

Nada do que escrevi acima é mentira. A minha vida, a sua vida, a vida da maioria das pessoas que convive conosco é assim, "perfeita".Pouquisssimos do meu círculo tem problemas realmente "graves".  A felicidade aqui deveria ser compulsória. Mas não é. E não é simplesmente porque cada um vive o contentamento à sua maneira. Cada um elabora os lutos, as dores, sofrimentos e perdas no seu próprio tempo, independente da dimensão que eles tem para os outros. São as suas dores, é o seu luto, e só você é capaz de dimensionar o quão dificil é.

Semanticamente creio que o antônimo de felicidade deveria ser infelicidade e não tristeza. O contrário de tristeza é alegria. Não é porque vivo  intensamente, meus lutos, dores, perdas, sofrimentos, que sou infeliz, apenas não estou feliz naquele momento. Mas isso não faz nenhuma diferença aqui, porque a ditadura da felicidade compulsória parece não se importar. O dia todo, todos os dias, lá estão as frases, a publicidade, as fotografias, os amigos (até eles) que não querem te deixar esquecer que sua vida é perfeita e você tem a obrigação de ser/estar feliz. 

Eu concordo que nos lamentamos por coisas pequenas, transformamos  insatisfações em problemas,  problemas em dramas, porém com tempo e distanciamento conseguimos, quase sempre, dar a devida dimensão a tudo que um dia nos afligiu, provocou dor ou sofrimento. Acontece que quando se está no olho do furacão fica difícil fazer o jogo do contente, brincar de Pollyana. E não são as razoáveis "opiniões" racionais que vão dar conta de mudar esse estado.

Cada um sabe onde seu calo aperta, e às vezes aperta mesmo descalço, ainda parecendo aos olhos dos "outros" totalmente absurdo. Mas é o seu calo, o seu luto, o seu sofrimento, a sua dor. Uma hora vai passar, cedo ou tarde sempre passa (e a gente até pode se ajudar tentando ser um pouquinho menos apegado, menos dramático, mais consciente, olhando com olhar crítico o que nos causa aquele sentimento, nos deixa naquele estado). 

O que não dá para fazer é esconder de si mesmo a dor, mesmo pequena, trancar na gaveta mais escondida do armário o sofrimento, obrigar a tristeza (ainda que momentânea) a se converter numa falsa alegria, apenas porque andaram dizendo por ai que você tem a obrigação de ser feliz, ou então que a vida é perfeita como é, tudo é aprendizado , desapego é o único caminho para se compreender a impermanência de tudo.

Cada pessoa tem seu tempo, suas reações, o que fala ou cala mais fundo no peito. Não existe fórmula mágica para curar as aflições da alma, sejam elas provocadas pela morte de alguém que amamos, pelo desejo irrealizado, pelos erros cometidos ou ou pelo fim de um amor. Assim como não deveria existir a obrigação de ser feliz o tempo todo. Acima da ditadura da felicidade compulsória e da alegria imposta, a gente precisa é se aceitar e repeitar nosso próprio tempo e necessidade do luto.

E ai talvez dê pra caminhar como sugeria o Caio Fernando Abreu:

"Tomara que a gente não desista de ser quem é por nada nem ninguém deste mundo. Que a gente reconheça o poder do outro sem esquecer do nosso. Que as mentiras alheias não confundam as nossas verdades, mesmo que as mentiras e as verdades sejam impermanentes. Que friagem nenhuma seja capaz de encabular o nosso calor mais bonito. Que, mesmo quando estivermos doendo, não percamos de vista nem de sonho a ideia da alegria. Tomara que apesar dos apesares todos, a gente continue tendo valentia suficiente para não abrir mão de se sentir feliz" ...


Foto: http://www.vithais.com.br

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Chuva

Esta manhã as nuvens estavam acinzentadas. 
E o céu, tão próximo, claustrofóbico.

A chuva teimava em não cair, diferente daquela dentro de mim.
Represada, não encontra o lugar certo para escoar.

Chove aqui dentro, torrencialmente.
Às vezes tento simplesmente dissipar as nuvens, com artifícios que simulam o forte vento.
Isso não consegue mandá-las para muito longe. A chuva continua.

Todos os cantos estão úmidos e sinto que minhas paredes não suportarão por muito tempo a enchente. 
É tanta água que daria para regar centenas de jardins. 
É tanta água que matou sementes que poderiam ter florescido, se eu tivesse aprendido como parar de chover.

Agora o sol está lá fora, as nuvens se foram e o céu retomou seu devido lugar, longe, alto, libertador. 
Mas aqui dentro o barulho ainda é de chuva no telhado.
E a previsão: muita nebulosidade durante todo o período.

Oxalá toda essa chuva se transforme no sal das lágrimas, 
e eu consiga (queira) logo entardecer como o dia, claro, brilhante e solar...

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Netiqueta

Muitos de vocês já devem ter recebido um texto por e-mail, cuja autoria é atribuída a Carlos Drummond de Andrade, chamado Viver não Dói. Como dezenas de outros textos que circulam na net, esse também teve sua autoria indevidamente creditada ao autor errado.

Quem conhece Drummond, de cara lê e questiona a autoria. Mas a maioria das pessoas não conhece Drummond tão bem assim, ou Fernando Pessoa, ou Clarice Lispector, ou Mário Quintana, entre tantos outros, e cita desavisadamente nos seus blogs, Facebook ou Twitter frases, aforismos, poemas, crônicas atribuídos a esses e outros autores, ou ao maior de todo os escritores workaholics: o famoso Autor Desconhecido. 

Logo que comecei esse blog escrevi sobre isso, o uso indevido de um texto sem crédito ou creditando a autoria a outra pessoa. Nada de errado se achamos bonito, inspirador, emocionante um determinado texto e queremos compartilhá-lo. Errado é não termos cuidado com a citação, a reprodução de um texto e os devidos créditos. 

A internet há muito se tornou uma espécie de "deserto de ninguém", e há até quem defenda que "caiu na rede, virou domínio público". A coisa não pode ser bem assim, devemos, minimamente, ter o cuidade de citar a fonte, o autor daquela frase ou texto ( coisa que muita gente não faz, em especial no Facebook ou Twitter) e, mais ainda, verificar se aquela autoria atribuida é ou não real, e nisso o google ajuda bastante. 

Porque esse cuidado? Por uma questão de ética, de consideração, de bom senso, gentileza, coisas que ultimamente andam relegadas a segundo plano nessa nossa grande rede virtual. Eu mesma caí numa dessas, como já falei aqui no blog.

Tenho o hábito de postar textos de terceiros, em especial poesias de autores conhecidos. Nesse caso, uso um título para o post  (Palavras emprestadas), e sempre o nome do texto e o autor. E verifico em todas as fontes possiveis se o poema ou crônica que estou postando realmente foi escrito por aquela pessoa.

Quando se trata de textos retirados de outros blogs, sempre peço autorização para copiar, cito a fonte ou, quando me pedem, cito apenas uma parte e direciono para o blog original, com um link para "ver mais".

Isso é o mínimo que podemos fazer. Não dá para esquecer que muitos "blogueiros" são escritores que vivem dos seus blogs, seja através de clicks, seja porque os textos são "encomendados" por um determinado patrocinador. Se você simplesmente copia aquele texto no seu blog, Facebook ou Twitter,  pode estar prejudicando alguém que vive disso e, inclusive, ferindo os direitos do autor, o que pode ser crime.

Então, meus caros amigos, vamos ter mais cuidado, tanto ao citar com a autoria correta, quanto ter a gentileza de consultar o autor , no caso de textos extraídos de sites ou blogs, se este nos dá a permissão de copiar seu texto. 

Na dúvida, que tal escrever um texto sobre aquele que você gostou e linkar o original? A ética e a gentileza agradecem ;)

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Palavras Emprestadas - A poética de Manuel Bandeira



Quando estás vestida,
Ninguém imagina
Os mundos que escondes
Sob as tuas roupas.

(Assim, quando é dia,
Não temos noção
Dos astros que luzem
No profundo céu.

Mas a noite é nua,
E, nua na noite,
Palpitam teus mundos
E os mundos da noite.

Brilham teus joelhos,
Brilha o teu umbigo,
Brilha toda a tua
Lira abdominal.

Teus exíguos
- Como na rijeza
Do tronco robusto
Dois frutos pequenos -

Brilham.) Ah, teus seios!
Teus duros mamilos!
Teu dorso! Teus flancos!
Ah, tuas espáduas!

Se nua, teus olhos
Ficam nus também:
Teu olhar, mais longe,
Mais lento, mais líquido.

Então, dentro deles,
Bóio, nado, salto
Baixo num mergulho
Perpendicular.

Baixo até o mais fundo
De teu ser, lá onde
Me sorri tu'alma
Nua, nua, nua...

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Romance e Crônica

Finalmente ele entendeu: enquanto escolheu viver sua vida como um romance, uma novela de Emile Brontë ou Jane Austen, a escolha dela fora viver como um mesmo personagem em várias histórias – e transitava em todas com a mesma desenvoltura. Ultrapassava as páginas, indo de um capítulo ao outro sem nenhum constrangimento, explorando as camadas do tempo e do espaço, o personagem central de um estudado e elaborado livro de crônicas sem final.

Por muito tempo ele tentou acompanhar a liberdade daquele outro estilo literário, deixando para trás a linearidade que tanto prezava, o começo, o meio e o final de cada história, para viver o turbilhão criativo da musa, aquela que ele desejava fosse um dia a heroína somente do seu romance.

E tanto ajeitou suas páginas para encaixarem no livro de crônicas que até parecia adaptado, aventurando-se naquele mundo tão diferente para, quem sabe, poder se tornar parte das histórias dela. Mas são poucos os autores que conseguem ser bons nos dois estilos...

Um dia ele acordou e percebeu que não era realmente um personagem com características definidas, mas apenas um borrão, um esboço de quem fora, a sombra do homem que vivia escrevendo seu próprio romance. Entendeu então que o livro terminara, sem final feliz. E sua musa, sua Calliope, acostumada a circular por capítulos diferentes como se cada um fosse uma história acabada, não hesitou em encerrar aquela crônica, que desde o ínicio tivera sua morte anunciada, com a frase mais temida: e não foram felizes para sempre.

Só restaram as páginas amareladas daquele capítulo escrito a dois, que ele inutilmente tentara trazer para sua novela...páginas que agora, depois de toda a tempestade, traziam impressas apenas lindas e vazias palavras ao vento.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Estou aprendendo a tolerância

Todos nós somos modernos, globalizados, tolerantes, engajados. Contra a homofobia, a discriminação racial, o machismo. Afinal, que será do mundo se não aceitarmos as diferenças? Então discursamos, hasteamos bandeiras, postamos no Facebook, no Twitter, em nossos blogs, comentamos, opinamos: E vive la différence!

Mas quando vem para o individual, para nossas verdades, crenças, o buraco é mais embaixo. Esqueça a homofobia, a discriminação racial, o machismo. Estou falando da aceitação e compreensão das diferenças entre você e seu amigo do peito, seu amor, sua mãe, seu vizinho, seu amigo virtual. 

Eu não sou melhor do que ninguém. Também me incomodo quando vejo alguém de quem gosto metendo os pés pelas mãos, falando/fazendo bobagens, vivendo de uma maneira que eu não viveria e que, na minha infinita e inesgotável sabedoria, tenho certeza que não é o melhor caminho. 

Mas ai é que está: eu não tenho uma infinita e inesgotável sabedoria. Aliás, quase sabedoria nenhuma, para querer ensinar aos outros qual a melhor forma de encarar a vida, suas questões, seus dilemas, seus conflitos. Não dá pra querer ensinar como o meu amigo do peito, meu amor, minha mãe, meu vizinho, meu amigo virtual devem conduzir seus caminhos. Falando a verdade, minha quase nenhuma sabedoria pena para encontrar o caminho mais retinho para mim mesma, então quem sou eu para querer catequizar e salvar o mundo? 

Anda me incomodando esse hábito da catequese, da salvação, que o mundo virtual ajudou a disseminar. Também não estou livre disso, sou muito crítica e já andei querendo "salvar" alguns amigos, mostrando, às vezes incisivamente, quais eram seus "defeitos" e o que eles poderiam fazer para crescer, evoluir... 

Não dá. Cada um tem o direito de quebrar a cara sozinho, de errar e de aprender por seus próprios meios. E talvez o meu amigo, minha irmã, meu amor não quebrem a cara, nem estejam errados(as) na sua forma de enxergar o mundo. Afinal, quem foi que disse que a minha verdade, minha forma de ver as coisas, de conduzir minha vida, é melhor, mais rápida, mais fácil do que a do outro?

Meu pai e minha mãe nunca disseram: “você vai escolher esse ou aquele caminho porque nós já vivemos e sabemos o que é melhor para você”. Eles sempre respeitaram e aceitaram minhas escolhas, e quando falavam sobre como viam determinada situação, me aconselhavam com um amor tão grande que aceitava até não serem ouvidos. E mesmo quando eles tiveram razão, nunca senti o olhar de reprovação não amoroso que diz: eu sabia. 

Acho de uma arrogância sem tamanho quando uma pessoa, que às vezes nem te conhece tanto assim, com aquele ar de superioridade, vem querendo ensinar que o modo como você leva a vida, a forma como escolhe e vivencia seus caminhos não é o ideal, querendo salvar você da ignorância. Sei que às vezes caímos nesse comportamento mesmo sem perceber, então temos é que estar mais atentos. Porque ninguém é imune a criticar e ser criticado, mas saber como fazer é uma arte (que tô longe de dominar...)

Desde que decidi me mudar de Brasília, há pouco mais de um ano, andei vivendo um período meio conturbado, por diversas razões. Algumas de minhas escolhas se mostraram acertadas, outras nem tanto. Ralei os joelhos, cotovelos, até o coração, tropeçando algumas vezes nesse percurso. E, durante esses tropeços,  pessoas muito queridas estiveram sempre comigo. Cada uma delas, com certeza, tem suas opiniões sobre as minhas escolhas e sobre a forma de encarar os tropeços, às vezes mesmo sem saber exatamente o que estava acontecendo. Mas em nenhum momento essas mãos e corações amigos, que me ajudaram a levantar, deixaram de me aceitar. 

Se sou seu amigo, se prezo, se quero bem, se tenho afeto, se admiro, se amo você, também quero, e “devo”, aceitar. Pode ser que no meu coração eu esteja dizendo: acho que você está errado por pensar diferente, viver de forma diferente, mas preciso aprender a aceitar a sua diferença, ser tolerante e não julgar, mesmo que esse julgamento eu guardasse só para mim. Vou ficar ao seu lado. Se você se machucar, quebrar a cara, ou for feliz com suas escolhas, vou continuar aceitando. 

Claro que ninguém é obrigado a conviver ou aceitar outra pessoa que não tenha nada a ver. Se você, amorosa e carinhosamente, já fez tudo que estava ao seu alcance e ainda assim as diferenças são inconciliáveis, afaste-se, tire da sua vida, faça a sua escolha. Mas se o que difere você do seu amigo do peito, seu amor, sua mãe, seu vizinho são visões de mundo e da vida conciliáveis, dá para ser mais tolerante, menos julgador, menos salvador. Dá para aceitar o outro e conviver com as diferenças. Talvez o modo mais prazeroso, leve e compensador de crescer seja  através da convivência e das trocas com os outros, mas essas trocas deveriam prescindir dos julgamentos, críticas pouco atenciosas, falta de aceitação, cuidado e carinho com o outro.  
  
Você que me lê pode não concordar com nada do que eu disse, e também estará certo. Eu aceito.


terça-feira, 9 de agosto de 2011

O que fazer com a tal da impermanência?

Eu vou morrer (espero que não tão cedo). Você vai morrer (também espero que demore bastante). Minha cachorrinha querida ficou 8 anos com leishmaniose, até morrer. Seu parente querido morreu. A morte é a única novidade anunciada desde o nosso nascimento.

Ok, deixa eu ser menos mórbida: as plantas nascem e morrem todos os dias, e nem nos importamos com isso. As estações vem e vão e, por mais que adoremos o verão, sabemos que ele não vai durar mais do que três meses. O dia vira noite, a gente chega e parte dos lugares em que pensávamos que permaneceríamos para todo o sempre. Amigos vem, outros se vão. Amores começam e, como tudo na vida, terminam, com mais ou menos sofrimento.

Isso é impermanência. Um conceito budista, mas perfeitamente aplicável à minha vida: a consciência de que, por mais que desejássemos o contrário, tudo nesse mundo(talvez também em outros) sempre, inexoravelmente, chega ao seu final. 

Para os budistas, um pouco mais do que isso: tudo o que vivemos nesse plano, a vida como conhecemos,com todos os seus detalhes, perdas, amores, medos, sofrimentos, alegrias, derrotas, vitórias, não passa de um sonho, do qual nos cabe despertar, olhando e reconhecendo a si mesmo e buscando a iluminação. Ou seja, a vida que levamos, nós ocidentais médios, não é vida, é apenas um passar do tempo que não nos trará nenhuma iluminação enquanto não formos capazes de aceitar que morremos a cada instante, e que tudo que está a nossa volta já está deixando de existir.

Não sei se chegarei a entender e aceitar a impermanência de forma tão...budista. Mas uma parte do conceito me é muito familiar: para aceitar e viver a impermanência, devo aprender a me ver livre dos meus apegos.

Meus textos costumam apontar caminhos, saídas, possibilidades ( sim, sou suficientemente vaidosa para achar que o que escrevo pode fazer diferença na vida de quem me lê. Vaidade, seu nome é mulher, mais precisamente, Janaina.). Dessa vez, não conheço a saída. Ao contrário, estou bem perdida, à procura, lutando contra minha incapacidade de me desapegar.

Anos atrás um namorado, em nosso aniversário, me presenteou com um bouquet de rosas azuis. Fiquei extasiada, eram lindas e originais, escolhidas para mim. Na manhã seguinte, estavam totalmente murchas. Liguei para ele aos prantos, minhas rosas tinham morrido no dia do nosso aniversário, aquilo era um mau presságio! Ele me consolou, foi até minha casa com uma cesta contendo flores plantadas e me disse: 'pronto, essas aqui não vão morrer, assim como nosso namoro'. Bom, não preciso dizer que as flores também morreram (não de um dia para o outro, claro), assim como o namoro de três anos, que terminou dias depois.

Demorei mais de um ano para conseguir aceitar que aquele fim, aquela morte, era absolutamente necessária para o crescimento de ambos como adultos que estávamos nos tornando. Mas demorei, aliás, demoramos, muito mais do que só um ano para finalmente nos desapegarmos. Eu não era para ele, ele não era para mim, mas o apego estava lá, nos afastando e reaproximando por muito tempo ainda.

Me considero incapaz de desapego. De viver o momento e partir sem olhar para trás, porque continuo desejando que aquele prazer, sensação, sentimento, permaneçam. Ao me despedir de lugares onde sei que dificilmente retornarei, sindo uma dor profunda, como se fosse obrigada a deixar para trás parte de mim. E realmente não estou exagerando, meu apego é tão intenso, por tudo e por todos, que se transforma em dor quando tenho que compreender e aceitar que é o fim, que não voltarei mais, que aquilo não pode ser meu, que meu amor se foi, que minha gata morreu, que a vida vai terminar, eu me apegando a ela ou não...

Para compreender e efetivamente internalizar o conceito da impermanência e toda sua força, duas coisas são fundamentais: lidar com a ansiedade do tudo ao mesmo tempo agora e aceitar as perdas como parte da vida, sem apego ao que fica ou que passou.

Pra quem me conhece, só por ai já dá para ver que a pessoa vai ter um trabalhão para viver a tal da impermanência. Na razão é fácil, quero ver é colocar em prática, d. Janaina...

Perdão

Estou cansada da culpa.

Culpa por não conseguir ser quem eu gostaria.
Culpa por não ser mais evoluida, mais consciente, mais razão e menos emoção.
Culpa por ser imperfeita.
Culpa por querer ser perfeita.
Culpa por não aproveitar o momento como ele é.
Culpa por escolher o sofrimento e não o prazer.
Culpa por ser tão intensa.
Culpa por me focar no futuro.
Culpa por viver do passado.
Culpa por sentir demais.
Culpa por aceitar menos.
Culpa por não controlar o tempo.
Culpa por querer controlar o tempo.
Culpa por criticar.
Culpa por não aceitar críticas.
Culpa por esperar demais.
Culpa por não ter sido aquele alguém especial. 
Culpa por tentar sempre ser o que acho que esperam de mim.
Culpa por ser humana e falha.
Culpa por ser dramática, exagerada, pessimista.
Culpa por não ser capaz de me desapegar.
Culpa por não conseguir ser feliz o tempo todo.
Culpa por não aceitar que as coisas e as pessoas são o que são.
Culpa por querer controlar.
Culpa por ter medo de perder.
Culpa por deixar meu ego vencer.
Culpa por ser tantas e conhecer tão pouco quem no fundo sou.

Já entendi o que é a culpa, e cansei. Quero agora aprender o que é perdão.

domingo, 17 de julho de 2011

Palavras Emprestadas - Namore uma garota que lê, por Rosemary Urquico

mulher_lendo_6.jpg


Recebi esse texto de outra Janaina, do blog  Entretantas, eu. Ele já é famoso na "blogosfera", mas eu só tomei conhecimento ontem, e me encantei...
Encontrei a versão em inglês aqui, mas reproduzo a tradução da Gabriela Ventura, do Blog Quinas e Cantos, que é linda! 



Namore uma garota que lê ( Date a Girl Who Reads)

Namore uma garota que gasta seu dinheiro em livros, em vez de roupas. Ela também tem problemas com o espaço do armário, mas é só porque tem livros demais. Namore uma garota que tem uma lista de livros que quer ler e que possui seu cartão de biblioteca desde os doze anos.

Encontre uma garota que lê. Você sabe que ela lê porque ela sempre vai ter um livro não lido na bolsa. Ela é aquela que olha amorosamente para as prateleiras da livraria, a única que surta(ainda que em silêncio) quando encontra o livro que quer. Você está vendo uma garota estranha cheirar as páginas de um livro antigo em um sebo? Essa é a leitora. Nunca resiste a cheirar as páginas, especialmente quando ficaram amarelas.

Ela é a garota que lê enquanto espera em um Café na rua. Se você espiar sua xícara, verá que a espuma do leite ainda flutua por sobre a bebida, porque ela está absorta. Perdida em um mundo criado pelo autor. Sente-se. Se quiser ela pode vê-lo de relance, porque a maior parte das garotas que leem não gostam de ser interrompidas. Pergunte se ela está gostando do livro.

Compre para ela outra xícara de café.
Diga o que realmente pensa sobre o Murakami. Descubra se ela foi além do primeiro capítulo da Irmandade. Entenda que, se ela diz que compreendeu o Ulisses de James Joyce, é só para parecer inteligente. Pergunte se ela gostaria de ser a Alice.

É fácil namorar uma garota que lê. Ofereça livros no aniversário dela, no Natal e em comemorações de namoro. Ofereça o dom das palavras na poesia, na música. Ofereça Neruda, Sexton Pound, cummings.Deixe que ela saiba que você entende que as palavras são amor. Entenda que ela sabe a diferença entre os livros e a realidade mas, juro por Deus, ela vai tentar fazer com que a vida se pareça um pouco como seu livro favorito. E se ela conseguir não será por sua causa.

É que ela tem que arriscar, de alguma forma.
Minta. Se ela compreender sintaxe, vai perceber a sua necessidade de mentir. Por trás das palavras existem outras coisas: motivação, valor, nuance, diálogo. E isto nunca será o fim do mundo.

Trate de desiludi-la. Porque uma garota que lê sabe que o fracasso leva sempre ao clímax. Essas garotas sabem que todas as coisas chegam ao fim. E que sempre se pode escrever uma continuação. E que você pode começar outra vez e de novo, e continuar a ser o herói. E que na vida é preciso haver um vilão ou dois.

Por que ter medo de tudo o que você não é? As garotas que leem sabem que as pessoas, tal como as personagens, evoluem. Exceto as da série Crepúsculo.

Se você encontrar uma garota que leia, é melhor mantê-la por perto. Quando encontrá-la acordada às duas da manhã, chorando e apertando um livro contra o peito, prepare uma xícara de chá e abrace-a. Você pode perdê-la por um par de horas, mas ela sempre vai voltar para você. E falará como se as personagens do livro fossem reais – até porque, durante algum tempo, são mesmo.

Você tem de se declarar a ela em um balão de ar quente. Ou durante um show de rock. Ou, casualmente, na próxima vez que ela estiver doente. Ou pelo Skype.

Você vai sorrir tanto que acabará por se perguntar por que é que o seu coração ainda não explodiu e espalhou sangue por todo o peito. Vocês escreverão a história das suas vidas, terão crianças com nomes estranhos e gostos mais estranhos ainda. Ela vai apresentar os seus filhos ao Gato do Chapéu [Cat in the Hat] e a Aslam, talvez no mesmo dia. Vão atravessar juntos os invernos de suas velhices, e ela recitará Keats, num sussurro, enquanto você sacode a neve das botas.

Namore uma garota que lê porque você merece. Merece uma garota que pode te dar a vida mais colorida que você puder imaginar. Se você só puder oferecer-lhe monotonia, horas requentadas e propostas meia-boca, então estará melhor sozinho. Mas se quiser o mundo, e outros mundos além, namore uma garota que lê.

Ou, melhor ainda, namore uma garota que escreve.


Por Rosemary Urquico - Livre tradução e adaptação de Gabriela Ventura


Foto: Jovem lendo, Ron Ogle, 2002.

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Blue Valentine - Crítica

BLUE VALENTINE ( Namorados para sempre)
Direção: Derek Cianfrance
Elenco: Ryan Gossling, Michelle Williams, Mike Voghel, John Doman, Samii Ryan, faith Wladyka
Roteiro: Derek Cianfrance, Cami Delavigne e Joey Curtis
Fotografia:Adrij Parekh


Desde seu título, Blue Valentine já nos mostra a que veio: é um filme triste, como o final de todo amor, grande ou pequeno, duradouro ou fugaz. Em seu segundo longa (o primeiro foi Brother Thied, de 1998), Derek Cianfrance nos apresenta uma fotografia do fim do amor, ainda mais convincente pelas atuações de Ryan Gosling, continuando a se firmar como um grande nome em produções indie, e de Michelle Williams, indicada ao Oscar por sua atuação e que há muito deixou para trás a adolescente problemática de Dawson’s Creek.

O longa se inicia com imagens da pequena Frankie, a filha do casal Cindy (Williams) e Dean (Gosling), chamando por Megan, o cão da família. O plano da criança entre as flores é aberto, mas a luz da cena já se apresenta como fria, sem vida. E essa será a iluminação dará a tônica de todas as cenas passadas no presente do casal.

Somos então apresentados a Dean, um Gosling envelhecido, calvo, com um olhar embaçado escondido atrás dos pesados óculos de grau, o figurino evidenciando qual é a situação de seu personagem: um homem sem perspectivas, acomodado, que foi se descuidando com o passar do tempo. Um descuido revelado pela aparência, mas refletido em sua vida, sua personalidade, sua falta de perspectivas. A única coisa que confere um pouco de vida a ele é a conexão com a filha, também é mérito de Gosling, ao transmitir com poucos olhares toda a ligação com a criança.

Com Cindy não é diferente. A primeira cena de Willians já mostra como a personagem não está à vontade naquela vida. A falta de alegria ao ser acordada pela filha e pelo marido fica evidente em seu olhar de desconforto. E desde essa cena passamos a perceber a distância existente entre eles e a miséria emocional daquela relação.

As cenas seguintes só corroboram a sensação de tristeza que permeia grande parte do filme, e o estado da relação é evidenciado pela direção, ao optar pela paleta de cores desbotada, pelo movimento incômodo da câmera, com a perda do foco do outro personagem, pelo uso dos primeiríssimos planos nos quais a câmera se concentra no rosto dos personagens de forma intensa, incômoda, causando uma sensação de claustrofobia que nos acompanhará durante praticamente todas as cenas do presente do casal.

Uma das boas sacadas do filme é nos tirar da sensação claustrofóbica ao introduzir os flashbacks, entrando na narrativa de maneira orgânica, sem cortes bruscos ou inadequados. Essas cenas são rodadas em uma película mais granulada, e a opção pela iluminação quente, além da paleta de cores mais viva onde o vermelho é uma referência constante, nos dão a sensação de aquele era um tempo mais feliz.

Os flashbacks nos ajudam ainda a compreender determinadas características daqueles personagens. Dean, um rapaz avesso à ideia de ter uma família, mas que se mostra tão dedicado a um estranho, ao se preocupar em arrumar o quarto do senhor na casa de repouso, para transformar aquele lugar frio e impessoal em algo como um lar. Cindy, a garota inteligente, idealista e sonhadora, inserida em uma numa família disfuncional, na qual a única relação onde se vislumbra o amor é com a avó idosa.

Esses relances do passado de Dean e Cindy, mesmo parecendo contrastar com a situação do presente, nos permitem enxergar além da dor e do destacamento evidente naquele casamento, vendo-os não somente como o casal que não pode mais ficar junto, mas como indivíduos complexos, nunca unidimensionais. O vazio daquela relação, a distância entre eles, a forma como vivem o momento de vida tem suas raízes em quem realmente são (ou eram) os dois jovens que se conheceram, se encantaram e, por circunstâncias inesperadas, acabaram casados.

Essas facetas das personagens se evidenciam em outras cenas no presente, como o pequeno gesto de carinho de Cindy, ao consolar Dean pela morte do cão. Ou quando ela tenta mostrar ao marido que deixou de admirá-lo porque ele perdeu a fé em si mesmo e desperdiça seu potencial e talentos, e ele responde dizendo ter escolhido a família, viver para essa família, e é feliz assim.

Vale ainda uma nota o trabalho de fotografia sobre Michelle Williams. Em diversos momentos da película ela aparece incrivelmente jovem, com um frescor não condizente com uma mulher cansada, que não consegue mais vive aquela vida.. Um frescor que nos remete à garota que sorria, sapateava na rua e sonhava em ser médica.

Interessantes ainda algumas referências do roteiro, como a suíte do motel chamada quarto do futuro, escolhida por Dean, que evidentemente quer o futuro e acredita nele.. Mas o futuro daquele casal é como a suíte: fria, sem cor, sem vida, sem esperança. Também a forma como o sexo aparece como única forma de carinho possível, tanto no passado de Cindy, ao demonstrar embaraço quando fala sobre o numero de parceiros sexuais que já teve, ou quando se entrega ao namorado atleta de maneira obviamente mecânica, como no presente de Dean, ao tentar transar com a mulher relutante e visivelmente constrangida, pergunta quanta humilhação ele ainda vai ter que suportar por um pouco de afeto.

É impossível não criar uma empatia maior com Dean, afinal ele representa o ideal romântico, lutando pelo amor no qual ainda acredita, enquanto Cindy, visivelmente, já desistiu. Mas como estamos diante de personagens tão complexos, vamos percebendo como a relação se deteriorou em virtude da ação de ambos, e enxergamos a responsabilidade também de Dean, de suas ações. Mas não há mais ou menos culpa no fim do amor. Há apenas o fim.

O filme nos conduz a um único desfecho possível, não há outra saída: a separação é inevitável. Nesse momento se revela um belo toque do diretor, quando constrói o mosaico da cena final, contrastando o momento do casamento com o da separação, jogando com a sucessão de imagens que mostram o casal feliz, com a luz que os ilumina, o rosto emocionado e radiante de Cindy, a cumplicidade da proximidade dos dois, até o momento o fim da cerimônia, quando eles saem em direção à luminosidade quase cegante do dia e desaparecem. Enquanto isso, no presente, Dean se afasta em direção ao incerto e à escuridão. Mas ao longe ainda se pode vislumbrar um pouco de luz na explosão dos fogos, o que nos dá, ao menos momentaneamente, a sensação de que nem tudo está perdido quando chega a hora do fim.

Sobre impermanência, amor e Blue Valentine

 
Há algum tempo a questão da impermanência  vem permeando meus pensamentos. Aceitar  o fato de que as coisas (e principalmente as pessoas)  não nos pertencem e que o fluxo natural  é o ciclo vida-morte-vida está no centro das minhas questões atuais.

Temos dificuldade em lidar com a finitude, especialmente das nossas relações pessoais, seja pela morte de quem amamos, pelo afastamento físico ou pelo exaurimento do amor. E por sermos, em nossa grande maioria, seres que lidam de forma atravessada com as mudanças e os ciclos naturais da vida, quando nos vemos diante do fim inevitável nos agarramos a qualquer esperança de salvação, mesmo sabendo, no fundo, ser aquele o único caminho possível.

 Nas relações amorosas temos essa sensação/necessidade de forma mais intensa. É extremamente difícil colocar o ponto final no amor, mesmo quando somos a parte que tem certeza de ter chegado o momento, fica sempre aquela sensação do "e se". Mas não há espaço para o "e se" quando o amor tem que terminar.  

Então, no meio dos meus pensamentos sobre a impermanência no amor, assisti a um filme que faz uma fotografia, muito bela e precisa, da separação e do fim do amor: Blue Valentine. No Brasil foi traduzido como "Namorados para Sempre", e essa escolha infeliz acabou me fazendo pensar que no fundo é o que todos queremos: continuar como namorados para sempre, com a cegueira da paixão dos primeiros tempos, que nos faz acreditar que pode ser eterno. Permanente. 

Acabei escrevendo uma crítica sobre o filme, como exercício depois de ter feito o Curso de Teoria, Linguagem e Crítica Cinematográfica com Pablo Villaça . Não tenho a intenção de transformar esse num blog sobre cinema,  mas acho que publicar essa crítica aqui faz todo o sentido.  O próximo post é dedicado a ela.



terça-feira, 28 de junho de 2011

(im)Perfeita

Navego por esse mar virtual, as vezes profundo, outras não, algo que já está se tornando corriqueiro e que tem me dado, nas últimas noites, longas horas de insônia. Leio, leio e leio. Cada assunto que me interessa traz a vontade de escrever, outro assunto vem e se soma à vontade anterior e assim vou acumulando nessas madrugadas pensamentos e palavras represadas.

Me identifico com as palavras que encontro pelo caminho, de amigos ou de personas virtuais que admiro, mas quando quero soltar minha voz, o verbo me escapa. Porque tudo já foi escrito e de um jeito melhor do que eu faria.

Quero desesperadamente a força das palavras, mas não consigo libertá-las porque não julgo que serão tão boas quanto aquelas que ando admirando. Penso: o que teria a dizer, depois de fulano ou beltrano terem escrito sobre o mesmo assunto com tanta propriedade? 

Será que é minha vaidade que não me permite simplesmente escrever pra me libertar, como já fiz tantas vezes, porque espera reconhecimento? Ou será só, mais uma vez, esse terrível complexo de perfeição, que me assola e não me permite ser menos do que aquilo que acho que esperam de mim, menos do que o texto inspirado e inspirador?

Se a escrita é minha libertação, como continuar nesse caminho se não me permito errar, escrever banalidades, aceitar que nem sempre as palavras que sairão de mim construirão algo?

E que venha mais uma madrugada repleta de interrogações, enquanto olho no espelho buscando aquela que se esconde atrás da que se pretende perfeita.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Palavras emprestadas - Canção, de Emilio Moura


Viver nao dói. O que dói
é a vida que se não vive.
Tanto mais bela sonhada,
quanto mais triste perdida.

Viver não dói. O que dói
é o tempo, essa força onírica
em que se criam os mitos
que o proprio tempo devora.

Viver não dói. O que dói
é essa estranha lucidez,
misto de fome e de sede
com que tudo devoramos.

Viver não dói. O que dói,
ferindo fundo, ferindo,
é a distância infinita
entre a vida que se pensa
e o pensamento vivido.

Que tudo o mais é perdido.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

O que é




A vida não é fácil, nem tampouco simples. E também não me venham com essa de que a gente é que complica as coisas. 

Mas a vida não é difícil, nem tampouco complicada. 

A vida simplesmente é. 

Hoje as coisas podem estar mais difíceis, as dores mais intensas, os medos mais aflorados.

Amanhã, o sol nascerá mais quente, o céu estará mais azul e a gente perceberá que as complicações do ontem não fazem mais sentido. 

Simplesmente porque a vida é. Independe de como a gente quer que seja, independe de acharmos que tudo é simples ou que tudo é complicado. Às vezes independe até do nosso modo de enxergar a própria vida, porque é tudo um moto-contínuo, e o que a gente acredita hoje pode ser diferente sob uma nova (ou antiga) luz. 

Aceitar que a vida simplesmente é... Não estou falando em destino, em estar escrito, ou qualquer coisa que o valha. Falo do que acontece agora, aqui do lado, dentro ou fora da gente. É a vida sendo, e obrigando a cada minuto que a gente aceite. Aceite as complicações do momento, aceite nossa incapacidade de lidar com determinadas coisas, aceite sentimentos, medos, decepções. Aceite também a alegria do momento, o contentamento, o afago. Porque todas essas coisas estão ai, fazem parte do que a vida é. 

Mas a gente luta contra a vida. Às vezes queremos nos obrigar a simplificar o que não é simples, porque isso é o que parece certo. E em outras nos comportamos com gravidade diante de complicações inexistentes... O que nos pede a vida, o tempo todo, é simplesmente que vivamos. O que é complicado hoje pode não ser amanhã. E nem sempre a tranqüilidade e a simplicidade serão possíveis. Isso é equilíbrio, tensão dos opostos, o que a vida é. Nem simples, nem complexa, apenas vida.

Imagem: http://2.bp.blogspot.com/_bux-WjgOT0U/RxOEElPyfVI/AAAAAAAAAQw/fftUQyQshTM/s400/cordabamba.jpg

sábado, 14 de maio de 2011

Palavras Emprestadas -Água viva - Clarice Lispector

E eis que depois de uma tarde de "quem sou eu" e de acordar à uma hora da madrugada em desespero.
Eis que às três horas da madrugada acordei e me encontrei.
Fui ao encontro de mim. Calma, alegre, plenitude sem fulminação.
Simplesmente, eu sou eu, você é você.É livre, é vasto, vai durar.
Eu não sei muito bem o que vou fazer em seguida mas, por enquanto, olha pra mim, e me ama! 

Não! Tu olhas pra ti e te amas.
É o que está certo.


Clarice Lispector


segunda-feira, 25 de abril de 2011

Palavras emprestadas: Almas gêmeas

As pessoas acham que a alma gêmea é o encaixe perfeito,
e é isso que todo mundo quer.
Mas a verdadeira alma gêmea é um espelho,
a pessoa que mostra tudo o que está prendendo você,
a pessoa que chama a sua atenção para você mesmo 
para que você possa mudar sua vida.
Uma verdadeira alma gêmea é provavelmente 
a pessoa mais importante que você vai conhecer,
 por que elas derrubam as suas paredes e te acordam com um tapa.
Mas viver com uma alma gêmea para sempre? Não. Dói demais.
As almas gêmeas só entram na sua vida para revelar a você
uma outra camada de você mesmo, e depois vão embora.”


 Elizabeth Gilbert, em Comer, Rezar, Amar

Vindo de algum lugar do passado: Jogos (i) Mortais



“Vivendo e aprendendo a jogar/nem sempre ganhando/nem sempre perdendo/mas aprendendo a jogar”


Segundo o Aurélio, JOGO é um substantivo masculino que pode significar, entre outras coisas... “1. Atividade física ou mental organizada por um sistema de regras que definem a PERDA ou o GANHO2 .Comportamento ou atitude de alguém que visa a OBTER VANTAGENS de outrem. 3. Fazer o jogo de: Colaborar com o(s) objetivo(s) de, atuando com DISSIMULAÇÃO .

Nós seres humanos temos absoluta fascinação pelo ato de jogar. Não estou em referindo a jogar futebol, vôlei ou poker (se bem que esse último talvez se aplique ao que tenho em mente...), mas sim aquele jogo diário que fazemos para conseguir o que queremos.
Desde bebês sabemos (ainda que inconscientemente) que, se chorarmos, nossas necessidades/desejos serão prontamente atendidas.
Crescemos um pouco e, na mais tenra infância, percebemos que não só o choro, mas também carinhas bonitinhas, manha, promessas, acabam nos trazendo tudo o que precisamos. É nessa fase também que aprendemos nossas primeiras lições sobre chantagem emocional, ainda que não saibamos o que significa...
Quanto mais crescemos, mais aplicamos o jogo à nossa vida. Desenvolvemos nossas técnicas, estratégias de ataque e defesa, os melhores movimentos a fazer diante dessa ou daquela situação. E com o tempo, paramos até mesmo de perceber quando é jogo e quando somos nós mesmos.
Nos relacionamentos então... O jogo é a regra!
“Não vou pra cama de cara, senão ele não me liga nunca mais”, “não vou dar muito mole, senão ela vai perceber que estou louco por ela”, “ah, vou esperar dois dias... se ele não ligar, mando uma mensagem”. Quantas artimanhas se constroem na busca – naturalmente humana – do par? É tão normal dentro da conquista ou dos relacionamentos amorosos que chegamos ao absurdo de proclamar que jogar faz parte... E continuamos a querer ser ou parecer outra pessoa, a reprimir o que realmente pensamos e queremos na vã esperança de que assim que conquistaremos aquele relacionamento especial.
Depois de muito jogar, cheguei à conclusão que estou cansada. Cansada de criar situações para me encontrar com aquele alguém. Cansada de refrear meus desejos pensando no que acontecerá amanhã. Cansada de fazer de conta que não vi, de esperar o telefone tocar, de me fingir de desinteressada. Quero poder ser eu mesma, sem máscaras ou estratégias, fazendo o que me dá vontade sem ter que calcular os riscos que corro se fizer dessa ou daquela maneira.
Ao tentar mudar minha atitude, não pretendo levantar uma bandeira, ou tentar convencer ninguém a mudar seu comportamento. Mas proponho uma reflexão: até que ponto nossos relacionamentos amorosos são prejudicados pelo excesso de artimanhas do imortal jogo da conquista que não nos cansamos jogar? Será que não poderíamos vivenciar esses momentos – que são seguramente a parte mais entusiasmante de um relacionamento – sem a necessidade de construir uma “persona” diferente de quem realmente somos? 
Claro que sou muito otimista esperando que se possa fazer diferente, sem máscaras ou estratégias...é quase inerente ao ser humano esse tipo de atitude. Entretanto, quero acreditar que seja possível uma história em que não haja vencedores e perdedores, apenas pessoas que se encontram, por serem elas mesmas.

 Janaina Ferreira
Brasília, 27/01/2007

Licença: 
CC Attribution-NonCommercial-NoDerivs 2.0

Como mudar o mundo


                  Quando era bem mais jovem, lá pelos 17 anos, comecei a fazer política estudantil. Estava no primeiro período da faculdade de Direito, estudava filosofia, política, economia e tinha certeza de que Direito e Justiça andavam de mãos dadas. Por um tempo continuei acreditando, e gritava palavras de ordem, e reunia estudantes, e organizava encontros onde se filosofava e se discutia o que nós, futuro da nação, faríamos de diferente.
                  Mas como a grande maioria das pessoas que acreditava que ia mudar o mundo, aos poucos fui me desiludindo, vendo que no mais das vezes aquelas palavras não passavam de fisiologismos e discursos vazios. Passou o tempo, a faculdade ficou para trás, e com ela a ilusão de que Direito e Justiça eram faces da mesma moeda.
                 Abandonei por um tempo o caminho do Direito e fui procurar outras formas de expressão. Na cozinha descobri que, ainda não mudando o mundo, conseguia fazer diferença na vida de algumas pessoas com as minhas alquimias.
                 Os caminhos me trouxeram de volta ao Direito, agora do lado "negro da força", trabalhando para o Governo, onde tento, à minha maneira, mudar as coisas um pouco de cada vez. Mas é difícil, não tenho dúvida...
                Só que outro dia uma ficha caiu. Na verdade, uma ficha que morava em mim desde a primeira vez em que pisei no palco pelas mãos do meu pai: De todos os caminhos para formar a consciência - política, social e até pessoal, nenhum toca mais diretamente o coração e a alma das pessoas do que a Arte.
               Nos últimos tempos, filmes, exposições, músicas, poesia, têm me aberto os olhos para a força que a arte tem  de mudar pensamentos, conceitos, padrões. Os olhos de Escher, a ousadia de Banksy, o coragem do teatro da Cia Dos a Deux, a crueza do cinema de Inharritu, as palavras de Clarice, Cora, Drummond, Bandeira, Quintana. A irreverência dos Dzi Croquettes. A força de revolucionar.
               Lembro de uma passagem do filme sobre os Dzi Croquettes que me marcou profundamente quando assisti no ano passado: Um dos atores, mais combativo, no auge da ditadura estava convencido que só a luta armada salvaria o Brasil. Então o Wagner, o inventor, criador do genial grupo insistiu: Só o amor constrói, só a arte constrói, só a arte salva.
               Amor é arte. Amor e arte. Amor à arte. Não serão necessários cartazes, passeatas, votações, plebiscitos; nem estudos, teses, filosofia; tampouco ego, self ou id, quando chegar o dia em que as palavras do Wagner puderem ser realmente ouvidas: Só a arte salva... Essa é uma bela maneira de mudar o mundo.


Imagem:  http://colunistas.ig.com.br/aplausobrasil/files/2010/07/dzilenny-dale.jpg

sábado, 16 de abril de 2011

Palavras Emprestadas - A Hora do Cansaço, Carlos Drummond de Andrade

As coisas que amamos,
as pessoas que amamos
são eternas até certo ponto.
Duram o infinito variável
no limite de nosso poder
de respirar a eternidade.

Pensá-las é pensar que não acabam nunca,
dar-lhes moldura de granito.
De outra matéria se tornam, absoluta,
numa outra (maior) realidade.

Começam a esmaecer quando nos cansamos,
e todos nos cansamos, por um ou outro itinerário,
de aspirar a resina do eterno.
Já não pretendemos que sejam imperecíveis.
Restituímos cada ser e coisa à condição precária,
rebaixamos o amor ao estado de utilidade.

Do sonho de eterno fica esse gosto acre
na boca ou na mente, sei lá, talvez no ar.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Sol Poente, ou ainda sobre as idades do coração


Tenho uma amiga de 18 anos que canta e compõe lindamente, superpromissora. A primeira vez em que escutei suas músicas fiquei pensando: como uma menina tão nova podia falar com tanta propriedade sobre dores de amor... 
 Hoje ela escreveu assim no seu Facebook: “ ‘Dels’ definitivamente, não me colocou no mundo para ter relacionamentos sérios e duradouros. Só fica rindo das minhas tentativas desastrosas.”
Ah, Maisa, serão tão doces no futuro as lembranças dessas jovens “tentativas desastrosas”...
Parece papo de tia, eu sei, de quem acha que já viveu tudo, ou que pelo menos viveu mais. Pretensão de ensinar à minha doce amiga que dores maiores ainda virão, que nosso coração tem uma imensa capacidade de recuperação, mesmo que naquele momento pareça que a ferida não vai fechar nunca. Que cada tentativa, por mais desastrosa que pareça, contem a intensidade, a novidade, o brilho, e essa é uma das coisas que faz a vida valer tanto a pena.
Mas não é para você, Maisa, que escrevo essas palavras. Elas são mesmo para mim, que continuo com minhas tentativas desastrosas. E a sensação de não ter sido colocada no mundo para ter relacionamentos sérios e duradouros, te garanto, não é diferente aos 35 anos... Quer dizer, um pouco diferente é, porque o senhor Tempo já passou por aqui e me deu algumas rasteiras a mais, então parece um pouco mais trágico... :) 
O que não muda mesmo, acho, é a mania de continuar buscando e acreditando que da próxima vez vai ser a melhor e a definitiva.
Talvez não venha a definitiva. Talvez “the one” não seja exatamente o par perfeito. Talvez a beleza esteja em todas as tentativas, no caminho percorrido ao lado das pessoas que não eram exatamente como queríamos ou sonhávamos. De verdade, não sei, são muitos os talvez. O amor e os relacionamentos continuam a ser um mistério para mim. Quem sabe não é porque ainda conservo meu coração como era aos 18 anos...
Imagem: https://twitpic.com/230vxv 

segunda-feira, 7 de março de 2011

Palavras emprestadas : Nasci Antes do Tempo

Nasci antes do tempo

Tudo que criei e defendi
nunca deu certo.
Nem foi aceito.
E eu perguntava a mim mesma.
Por quê?

Quando menina,
ouvia dizer sem entender
quando coisa boa ou ruim
acontecia a alguém:
fulano nasceu antes do tempo.
Guardei.

Tudo que criei, imaginei e defendi
nunca foi feito.
E eu dizia como ouvia
a moda do consolo:
nasci antes do tempo.

Alguém me retrucou:
você nasceria sempre
antes do seu tempo.
Não entendi e disse Amém.

Cora Coralina
(1889-1985)

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Desatando os nós


O que fazer quando a gente se cansa do nó na garganta, da sensação de sufocamento?

Nessas horas só quero ar, um respiro, um sopro que seja.

Será que vale compreender que o nó foi dado por nossas mãos? Que prendemos, por nossa conta e risco, a respiração? Será isso suficiente para que gente possa relaxar a mente e a alma?

Lembro daquela piadinha do cara que, parado na frente de um aquário, se concentra para que o peixe obedeça aos seus comandos mentais, e diz: mente superior domina mente inferior. Logo depois lá está o homem, imitando a boquinha do peixe... Quem me sufoca: o que vem de fora ou eu mesma? Quem é mais forte, as circunstâncias, que passam, ou eu, que permaneço?

Quero a não-limitação de espaço, de tempo. Vazio e cheio, mas sempre agora.

Um pouco de luz e sol, um pouco de sombra e paz. Leveza e um pouco de beleza junto com o sopro de vida nova...