terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Falsa atribuição de autoria

Quando comecei esse blog, um dos motivos foi garantir que a autoria dos meus textos não fosse questionada, nem que eles fossem divulgados como de outra pessoa. Tenho muito cuidado ao reproduzir algum texto ou imagem aqui, sempre citando o autor e a fonte.
Entretanto, me deixei contaminar... No meu post Supernova, citei um texto que conhecia há muito tempo como de Clarice Lispector, que inclusive não tinha recebido por email, como tantos outros. Acabei encontrando o mesmo texto em sites sobre Clarice e não questionei sua autoria, mesmo não sendo tão o "estilo" da escritora. Pois bem, hoje o autor do texto o encontrou e gentilmente me mandou um coment pedindo para que eu mudasse a autoria, o que fiz imediatamente.
Peço desculpas a Edson Marques, autor do poema Mude, belissima inspiração para meu post Supernova.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Palavras emprestadas - Se você ainda quiser a minha amizade

Se você ainda quiser a minha amizade

Peço desculpas. Errei. Erro o tempo todo.
Minha indelicadeza pode ter te machucado. Minha sinceridade. Ou simplesmente o fato de que eu ando numa fase confusa e não consigo entender direito nem quem sou, quanto mais saber se você está dizendo coisas pra me machucar ou para ajudar.
Ser amigo é difícil. Encontrar alguém sincero é difícil. Mais ainda é confiar que a sinceridade de alguém é sincera.
Agora entendo que você é. Sei que você não tem nenhum motivo para dizer estas coisas difíceis que me diz, além de ser a pessoa que joga a realidade na minha cara. Quando eu tenho raiva, ódio ou escrevo que você não entende nada, e não sabe de nada, e é a pior pessoa do mundo, estou apenas expressando a minha fúria contra a realidade.
Contra você, nunca.
Coisas que eu queria que você soubesse, se continuarmos sendo amigos:
  1. Você pode falar mal de mim. Pode apontar os meus defeitos na minha cara. Pode dizer que as pessoas que amo são hipócritas, mentirosas ou falsas. Mas faça com cuidado. Às vezes eu vou reagir mal e posso até tentar descontar em você. Eu não quero. Principalmente porque é mais fácil que você esteja dizendo a verdade e eu esteja raciocinando errado.
  2. Eu sei que você não quer me prejudicar. Na realidade, eu às vezes tento me prejudicar sem querer. Sei que você, por querer, nunca iria fazer isso. Dá pra me perdoar?
  3. Quando eu mandar um email cheio de ódio, espere dois dias em silêncio. Eu mandarei outro, confessando os meus erros. A culpa é minha e eu peço desculpas preventivas.
  4. Não me prive dos seus conselhos, apesar da minha ingratidão. Eu preciso deles, pra entender o mundo.
  5. Eu vejo o mundo de uma maneira muito diferente da sua. Entenda quando eu não entender nada do que você estiver tentando explicar.
  6. Eu me acho especial. Meus amores foram os melhores, maiores e mais importantes. As minhas dores foram maiores do que as que qualquer humano foi ou será capaz de suportar. Entenda isso, e leve em consideração na hora de medir as palavras dos seus conselhos. Mas também entenda que você é mais especial que tudo isso.
  7. Eu sofro muito quando você joga na minha cara, assim, sem carinho nem anestesia, que eu fiz alguma merda grande com a minha vida. Dói estar errado. E isso me faz errar mais ainda, reagindo mal contra quem entrega a mensagem, ou quem me faz entender as besteiras que fiz. Mas mesmo assim, espero conseguir demonstrar a minha gratidão.
  8. Mesmo que eu não diga o suficiente, a sua companhia me faz bem. Espero conseguir devolver a honra.
Alex Luna

(Publicado originalmenteem 17/12/2010,  no blog do autor Qualquer coisa de triste: http://tarrask.com/qualquer/se-voce-ainda-quiser-a-minha-amizade.html)

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Ainda sobre escrever

" Eu não sou poeta nem quero ser
A canção eu fiz pra sobreviver
Coração aperta, canto pra respirar
Toco minha viola pra poder sonhar..."
(O que eu não sou -Isadora Medella- As Chicas)


 Pra quem não conhece As Chicas, recomendo. Essa canção está no cd delas, "Quem vai comprar esse barulho". Ontem um amigo me perguntou qual canção eu mais gostava. A primeira que me veio na cabeça não foi essa, mas depois acabei mostrando para ele e disse: "não sei porque gosto tanto..."

Imediatamente eu mesma entendi o porque: Assim como ela, a compositora, que diz não ser poeta nem querer ser, que canta para sobreviver, também eu não sou escritora ( talvez queira ser...), mas escrevo para sobreviver. O coração aperta, escrevo para respirar. Traço minhas linhas pra poder sonhar.

Claro que gosto que me leiam, dos comentários, dos elogios. Mas não é esse o objetivo. O objetivo mesmo é me libertar. Às vezes sinto como se as palavras pudessem me sufocar se eu não escrevesse, como se precisassem desesperadamente sair e encontrar seu lugar no mundo. Outras vezes, são como um mar de águas calmas, imenso mas tranquilo e que precisa ser revolvido, tomando as forma das linhas. De qualquer maneira que se apresente, libertar minhas palavras se tornou a principal forma de encontro com o que sou. Até mesmo porque "o papel tem mais paciência do que as pessoas".*

* O diário de Anne Frank

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Oportunidade de Crescimento-Estar Presente

"A vida está sempre nos dando oportunidades para crescer. Quando uma porta se fecha, outra se abre. Escutamos sempre isso, mas como podemos utilizar este conceito para nossas vidas? Sabendo que cada situação boa ou ruim (julgada assim por nossos padrões limitados) é uma oportunidade de crescimento, para expandir nossa  visão e ampliar a consciência. Se deixarmos de julgar, apenas tendo fé que uma situação melhor está logo depois da curva da estrada, então viveremos mais plenamente no presente. Vivendo no presente, veremos mais beleza e alegria do que jamais poderíamos ter imaginado."

by Guruatma S. Khalsa

domingo, 5 de dezembro de 2010

Supernova


Há um poema, de autoria de Edson Marques, mas que na net é erroneamente atribuído a Clarice Lispector, que se chama Mude. Ele começa recomendando: "Mude, mas comece devagar, porque a direção é mais importante que a velocidade."

Não há nenhuma dúvida que o viver é dinâmico. A mudança das estações, as fases da lua, as marés, o nascer e o pôr-do-sol a cada dia com uma nova beleza não nos permitem pensar de maneira diferente. Não é a estabilidade o que impera, mas sim os ciclos e com eles as necessárias mudanças.

Uma das coisas mais exasperantes para mim é ouvir: os seres humanos não mudam. Para os cientistas, por exemplo, isso soa como uma heresia. A mudança é literalmente a única constante da ciência. Energia, matéria, estão sempre mudando. Transformando-se. Fundindo-se. Crescendo. Morrendo. Da mesma maneira também conosco, homens e mulheres feitos de matéria, alma e coração. 

Assim como o Universo está em constante expansão e evolução, também nós, que somos parte/todo desse Universo, não podemos nos manter imóveis, sem renovação, sem renascimento. O natural é a mudança, a revolução, a metamorfose. Nossa vida dura apenas uma fração de segundos se comparada à vida das estrelas, mas nem por isso é menos brilhante. O que fazemos dessa fração de segundo, o modo como conduzimos esse tempo é que nos faz ser únicos e, ao mesmo tempo, parte dessa experiência mágica chamada vida.

Hoje compreendo que a maneira como agimos, tentando não mudar, que não é natural. Apegamos-nos ao que se foi, querendo que as coisas voltem, em vez de aceitarmos seu tempo de ir. Prendemos-nos a velhas memórias, quando deveríamos é estar constantemente criando novas. Isso porque insistimos em acreditar, apesar de todas as provas em contrário, de que algo nessa vida é permanente.

A grande certeza que tenho nesse momento é que a mudança é a única constante. Paradoxal mas verdadeiro.  Como vamos vivenciar essa realidade, como experimentaremos essa certeza e todas as suas conseqüências vai depender do nosso olhar, da forma como encaramos as necessárias mudanças. 

Podemos sentí-las como a morte. Ou uma segunda chance. E essa segunda chance pode ser adrenalina pura se apenas relaxarmos os dedos, nos desapegarmos e formos em frente... 

Esse é o nosso presente divino. Como se a vida nos desse a todo o momento a possibilidade de nascer de novo, com toda a beleza e o risco de cada escolha, certa, precisa e única.




“Você certamente conhecerá coisas melhores
e coisas piores do que as já
conhecidas, mas não é isso o que importa.
O mais importante é a mudança,
o movimento, o dinamismo, a energia.
Só o que está morto não muda !
Repito por pura alegria de viver: a salvação é pelo risco,
sem o qual a vida não vale a pena !” 
(Edson Marques, " Mude")

Imagem: O nascimento de uma Supernova- http://img.terra.com.br/i/2008/05/30/772044-8272-it2.jpg

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

O alimento da minha alma




“I have spread my dreams under your feet; Tread softly because you tread on my dreams.”
(Yeats)


Outro dia o Fabio Hernandez (ele de novo...) postou a seguinte frase:"A minha tese a respeito de sonhos é: eles não existem para serem realizados. Existem apenas para ser sonhados e, depois, perdidos. O sonho realizado morre. O sonho perdido se eterniza".

Sinto uma dor profunda ao pensar nos sonhos perdidos. Ao contrário do Fábio, quero acreditar que os sonhos existem para serem realizados e que também os sonhos realizados se eternizam. Claro que ai, até por uma questão de lógica e de semântica, deixam de ser sonhos e passam para o patamar de realidade.

Shakespeare escreveu que somos feitos da mesma matéria de que são feitos os sonhos. Portanto, seguindo o raciocínio, eternos e eternizáveis na medida em que realizamos esses sonhos. É claro que muitos ficarão pelo caminho, como ecos dos desejos que os criaram, e talvez até mesmo eternizados como quer o escritor. Mas mesmo esses alimentam a alma, enquanto projetamos sua realização, planejamos como serão concretizados.

Às vezes me pergunto o quanto a vida não é mais simples para aquelas pessoas que tem sonhos modestos, quantificáveis e perfeitamente realizáveis. Tão concretos que já nascem quase como realidade. Eu não tenho sonhos modestos. Ou melhor, os tenho, mas andam de mãos dadas com outros muito maiores, de grandes proporções...

Qual seria a diferença entre sonhos e metas? Entre sonhos e projetos? Talvez os sonhos sejam mais ambiciosos e, por isso mesmo, muitas vezes vistos como irrealizáveis. Se for sonho, é devaneio, imaginação, ilusão. Já metas e projetos são diferentes, perfeitamente possíveis e a depender somente do esforço pessoal e de certo planejamento.

Ok, vá lá, metas e projetos são importantes, mas não acho que os grandes feitos do homem tenham nascido somente de metas e projetos. O que é mais provável: que Santos Dumont tenha sonhado, como Ícaro, com asas que o levariam onde homem nenhum nunca tinha ido, ou que um dia acordou e escreveu no seu caderninho: dentro de três anos terei construído o primeiro avião? Eu prefiro acreditar que os vôos que faço hoje nasceram de sonhos um dia tidos como irrealizáveis...

Ontem o Flavio Gikovate postou no Twitter: “Acho possível viver muito bem sem sonhos, que são projetos com pouca chance de se tornar realidade. A cada ilusão corresponde uma desilusão! Os projetos têm um pé na realidade e outro no céu: são hipóteses, por vezes ambiciosas, mas exequíveis. Os sonhos têm os dois pés no céu!” . Gosto de algumas considerações dele, mas essa foi dispensável... Negar a possibilidade de sonhar, mais ainda, tratar os sonhos como ilusões é negar à alma seu combustível. Parece que está dizendo ao coração dos homens que suas realizações dependem somente de uma meta e um bom planejamento. Que paixão, entusiasmo, um pouco de delírio, são elementos perigosos se você tem objetivos...

Eu prefiro manter meus sonhos, eternizados ou realizados, mesmo que às vezes se revelem como ilusões. Tudo bem. Sempre valeu a pena ter sonhado. Minha alma agradece.


* A fotinha é por causa da vontade de comer doces que me atacou agora...;)

Imagem: http://www.destaquesp.com/images/stories/canais/gastronomia/atelier_cake/sonho2.jpg. 

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Correndo com os lobos

"Recuse-se a cair.
Se não puder se recusar a cair,
recuse-se a ficar no chão.
Se não puder se recusar a ficar no chão,
eleve o coração aos céus
e, como um mendigo faminto,
peça que o encham,
e ele será cheio.
Podem empurrá-lo para baixo.
Podem impedi-lo de se levantar.
Mas ninguém pode impedi-lo
de elevar seu coração
aos céus -
só você.
É no meio da aflição
que tantas coisas ficam claras.
Quem diz que nada de bom
resultou disso
ainda não está escutando."

Clarissa Pinkola Estés in "Mulheres que correm com os lobos", ed. Rocco

Escrever por que?

 “Que escrevo num tempo onde tudo já foi falado, cantado, escrito.
O que o silêncio pode me dizer que já não tenha sido dito?”*

Tenho certeza de que nada do que escrevo é novidade. Minhas digressões sobre solidão, busca, encontros, amor, paixão, tudo já foi cantando por vozes muito mais talentosas do que a minha. Mas não consigo me calar. Não quero me calar.

Escrever se tornou mais do que um hábito, é agora uma necessidade. Fundamental, mesmo que somente para mim, para ajudar a colocar em ordem o caos dos meus pensamentos.

Mais do que isso, escrever é hoje a maneira que encontrei de me conectar com a criatividade, que por um tempo longo demais esteve fora da minha vida. Ao deixar de lado a criatividade isolei a parte mais importante de mim mesma, a força que me conduzia e que de repente se escondeu no fundo da alma, tão fundo que achei que a tinha perdido para sempre.

Ao colocar em palavras meus sentimentos, pensamentos e desejos sinto estar resgatando uma força antiga, primordial, a força de contar histórias e através delas ajudar a moldar minha realidade.  

Não tenho a pretensão ensinar a ninguém, nem pregar minhas crenças como verdades. As palavras apenas refletem quem sou e quem estou buscando ser enquanto desenho, a cada dia, o meu caminho.

Para quem me lê e comenta, obrigada por ajudar a traçar as retas e curvas desse caminho.




BH, 02/12/2010


* Da poesia de Viviane Mose






quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Atenção


Adoro pessoas atenciosas. Adoro quem se preocupa, quer saber, tem curiosidade sobre quem sou, o que penso, o que escondo, o que revelo. Talvez porque eu também seja assim, quando me deparo com alguém que está atento aos mínimos movimentos, fico maravilhada. E quando esse alguém é um homem, a coisa fica ainda melhor! Porque normalmente os homens não são os seres mais atentos do mundo...

Estou sendo leviana...Não gosto de generalizações quanto às mulheres, daquela história “mulheres são sempre assim”, então também não posso generalizar os homens, colocando-os todos no mesmo saco: “homens não prestam atenção”. Bobagem, prestam atenção sim, mas talvez não naqueles detalhes que para as mulheres são importantes. Afinal, como dizia o autor daquele best-seller dos anos 90, homens são de Marte, mulheres são de Vênus (livro ruinzinho, mas boa definição pras nossas diferenças).

De qualquer maneira, é delicioso perceber quando um homem realmente OLHOU para você e enxergou tudo, inclusive aquelas coisas que você estava se esforçando para não serem percebidas...:)

Atenção está nos detalhes, em pequenos gestos e palavras que fazem a gente se sentir... descoberta.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Lua Adversa, de Cecícila Meireles


Mulher de fases. Seremos todas assim, como a lua? Mais ou menos inconstantes, mas sempre em fases. Assim talvez consigamos viver mais plenamente, respeitando os necessários ciclos...

"Tenho fases, como a lua
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua...
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha.

Fases que vão e vêm,
no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.

E roda a melancolia
seu interminável fuso!
Não me encontro com ninguém
(tenho fases como a lua...)
No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser sua...
E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu..."
Cecilia Meireles


Imagem: http://2.bp.blogspot.com/_9Ddx3nSFV5U/S_vUQ_7JXbI/AAAAAAAAAHM/yN5cH24sNoY/s1600/lua-botucatu.jpg

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Sexta-feira com poesia - Mil Lágrimas

Em caso de dor ponha gelo
Mude o corte de cabelo
Mude como modelo
Vá ao cinema, dê um sorriso
Ainda que amarelo, esqueça seu cotovelo
Se amargo foi já ter sido
Troque já esse vestido
Troque o padrão do tecido
Saia do sério deixe os critérios
Siga todos os sentidos
Faça fazer sentido
A cada mil lágrimas, sai um milagre.

Caso de tristeza, vire a mesa
Coma só a sobremesa
Coma somente a cereja
Jogue para cima, faça cena
Cante as rimas de um poema
Sofra penas, viva apenas

Sendo só fissura ou loucura
Quem sabe casando cura
Ninguém sabe o que procura
Faça uma novena
Reze um terço
Caia fora do contexto
Invente seu endereço
A cada mil lágrimas sai um milagre

Mas se apesar de banal
Chorar for inevitável
Sinta o gosto do sal
Sinta o gosto do sal
Gota a gota, uma a uma
Duas, três, dez, cem mil lágrimas
Sinta o milagre
A cada mil lágrimas sai um milagre


(Alice Ruiz e Itamar Assumpção)

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Palavras Emprestadas : Mais e mais Viviane Mose

Queria ser poeta. 
Queria conseguir falar de solidão assim, como ela.
Como não sou habil em nenhuma dessas duas coisas, limito-me a sentir.

"Prosa Patética

Nunca fui de ter inveja, mas de uns tempos pra cá tenho tido.
As mãos dadas dos amantes tem me tirado o sono.
Ontem, desejei com toda força ser a moça do supermercado.
Aquela que fala do namorado com tanta ternura.
Mesmo das brigas ando tendo inveja.
Meu vizinho gritando com a mulher, na casa cheia de crianças,
sempre querendo, querendo.
Me disseram que solidão é sina e é pra sempre.
Confesso que gosto do espaço que é ser sozinho.
Essa extensão, largura, páramo, planura, planície, região.
No entanto, a soma das horas acorda sempre a lembrança
do hálito quente do outro. A voz, o viço.
Hoje andei como louca, quis gritar com a solidão,
expulsar de mim essa Nossa senhora ciumenta.
Madona sedenta de versos. Mas tive medo.
Medo de que ao sair levasse a imensidão onde me deito.
Ausência de espelhos que dissolve a falta, a fraqueza, a preguiça.
E me faz vento, pedra, desembocadura, abotoadura e silêncio.
Tive medo de perder o estado de verso e vácuo,
onde tudo é grave e único. E me mantive quieta e muda.
E mais do que nunca tive inveja.
Invejei quem tem vida reta, quem não é poeta
nem pensa essas coisas. Quem simplesmente ama e é amado.
E lê jornal domingo. Come pudim de leite e doce de abóbora.
A mulher que engravida porque gosta de criança.
Pra mim tudo encerra a gravidade prolixa das palavras: madrugada, mãe, ônibus, olhos, desabrocham em camadas de sentido,
e ressoam como gongos ou sinos de igreja em meus ouvidos.
Escorro entre palavras, como quem navega um barco sem remo.
Um fluxo de líquidos. Um côncavo silêncio.
Clarice diz, que sua função é cuidar do mundo.
E eu, que não sou Clarice nem nada, fui mal forjada,
não tenho bons modos nem berço.
Que escrevo num tempo onde tudo já foi falado, cantado, escrito.
O que o silêncio pode me dizer que já não tenha sido dito?
Eu, cuja única função é lavar palavra suja,
nesse fim de século sem certeza?
Eu quero que a solidão me esqueça."

www.vivianemose.com.br

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Compensações

"Porque a mente é como um pára-quedas, só funciona depois de aberta" (Frank Zappa)

Nas minhas andanças recentes pelo mundo interior, finalmente entendi que as grandes questões a resolver na minha vida são a minha imensa insatisfação e uma sensação de inadequação constante. Essas características acabam me levando a outros problemas como a já conhecida ansiedade e, como andei percebendo com a inestimável contribuição do Marcelo Cattoni, uma ligeira tendência à melancolia. Como se nada do que eu tivesse ou fizesse, nenhum sucesso ou conquista , fosse suficiente para aplacar a sensação de perda, de ausência, de falta. A sensação de desamparo e um estado de luto ancestral (e o pior é não saber com certeza o que foi  perdido, nem quando...)

A consciência de que essas questões me afetam mais profundamente do que eu imaginava deram o start para um processo de compreensão, de sentir, efetivamente, que toda essa insatisfação e a sensação de inadequação podem, e devem, ser direcionadas para construir, e não destruir.  Que a insatisfação só vai encontrar alívio dentro, não fora. E talvez, com essa consciência de existir no centro de mim mesma, entenda (e sinta) que qualquer um pode ser o meu lugar.

Assim como eu, grande parte da minha geração, em especial as mulheres que foram criadas tendo que se adaptar a um mundo de cobranças, internas e externas e de padrões esperados, têm a tendência a buscar compensações para as falhas, insucessos e perdas.

Uma nova paixão pra esquecer a antiga, comida no lugar do cigarro, cidade nova quando a 'velha' não te faz feliz... Mas a verdade é que nenhuma substituição vai conseguir tapar o buraco deixado pelas tais ‘perdas e insucessos’.

Creio que a questão aqui seja entender os porquês. Aprender com o que passou e, quando for a hora, tocar a bola pra frente. Aprender que a única certeza é: independente do tamanho da perda ou do insucesso, o tempo vai acabar por dar-lhes outra dimensão, e quando você menos esperar, terá parado de doer.

Tentar compensar o que perdemos ( ou o que achamos que perdemos) serve só como paliativo e acaba adiando o momento em que a sensação de desamparo nos deixará definitivamente.
É claro que dito assim é tudo muito bonito e possível, mas ‘na prática a teoria é outra’. Lidar com o tempo das perdas, com o tempo de superá-las é o maior dos desafios. Entender que o tempo é amigo, não inimigo, que me faz bem, e não mal é o que ando tentando, com mais e mais força. Oxalá eu consiga aliar teoria e prática... 

E, como me disse certa vez um amigo, se o tempo tem me comer, “que seja com meu consentimento, e me olhando nos olhos.”*

Foz do Iguaçu, 04/11/2010

O tempo por Viviane Mosé

quem tem olhos pra ver o tempo
soprando sulcos na pele soprando sulcos na pele
soprando sulcos?


*
o tempo andou riscando meu rosto
com uma navalha fina
sem raiva nem rancor
o tempo riscou meu rosto
com calma

(eu parei de lutar contra o tempo
ando exercendo instantes
acho que ganhei presença)



*
acho que a vida anda passando a mão em mim.
a vida anda passando a mão em mim.
acho que a vida anda passando.
a vida anda passando.
acho que a vida anda.
a vida anda em mim.
acho que há vida em mim.
a vida em mim anda passando.
acho que a vida anda passando a mão em mim
 


*
e por falar em sexo quem anda me comendo
é o tempo
na verdade faz tempo mas eu escondia
porque ele me pegava à força e por trás
um dia resolvi encará-lo de frente e disse: tempo
se você tem que me comer
que seja com o meu consentimento
e me olhando nos olhos
acho que ganhei o tempo
de lá pra cá ele tem sido bom comigo
dizem que ando até remoçando 


http://www.vivianemose.com.br/

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

A Yoga e o Ritmo do Universo, por Guruatma S. Khalsa

" Ritmo


O mundo se move com ritmo. As estações do ano têm um tempo preciso em que começam e terminam. Dia e noite dançam um com o outro a cada alongamento e encurtamento durante as estações do ano. Como praticamos yoga, podemos usar o ritmo para nos ajudar a estar em sincronia com nós mesmos. Kundalini Yoga usa a repetição de movimentos na sua prática. Quando combinamos o movimento com música nos permitimos por  em marcha uma conexão específica com o ritmo mais profundo da Terra, bem como uma ligação com o fluxo do ritmo do universo.

A yoga ajuda a tomar consciência do ritmo. O ritmo da música na sala de aula, o ritmo do yoga que se está trabalhando no momento, o ritmo dos sistemas fisiológicos internos e externos, essencialmente o ritmo da vida. Quando chegamos a compreender  o ritmo, nos movemos para um maior domínio da paz. Aprendemos a respeitar o ritmo da natureza dentro e fora. Podemos observar o movimento das nuvens no céu ou as ondas na costa. Nós podemos ser capazes de ver a relação com aquelas ondas e nossa respiração. Nossa inspiração pode nos lembrar da onda individual puxando o corpo do oceano, e o nosso exalar é semelhante à onda rolando sobre a terra. O ritmo da água que corre na cachoeira  e cai no frio poço criando ondas na água. Um rio que serpenteia a caminho do mar. A chuva que cai do éter durante uma tempestade. A dança sutil das folhas de palmeiras com o vento a acaricia-las uma a uma como um todo. Esse ritmo existe em todos os aspectos da natureza. O que muitas vezes não conseguimos perceber é que ele ocorre totalmente dentro de nós também. Quando estamos à vontade, estamos bem. Quando não relaxamos esse ritmo nos bloqueia fisica, mental, emocional e espiritualmente. Um dos benefícios da Yoga é restaurar o ritmo de quem a pratica. As aulas buscam trazer de volta essa consciência do ritmo através do movimento, respiração, consciência de grupo, concentrando-se em contemplação e meditação. A repetição do movimento destinado a equilibrar o sistema nervoso e glandular pode desempenhar um papel importante na criação de ritmo.
 
Nós, seres humanos, encontramos o nosso ritmo na música, dança e percussão. Nós encontramos o nosso ritmo em nossos hábitos, nosso sono e os nossos movimentos simples. A Yoga ajuda-nos a encontrar nosso caminho de volta para o nosso estado natural de Ritmo
."


Imagem: http://brincadeirademulher.blogspot.com/2010/02/aprenda-pensar-positivo.html

Palavras emprestadas - Verdade, por Drummond

VERDADE


A porta da verdade estava aberta,
mas só deixava passar
meia pessoa de cada vez.

Assim não era possível atingir toda a verdade,
porque a meia pessoa que entrava
só trazia o perfil de meia verdade.
E sua segunda metade
voltava igualmente com meio perfil.
E os meios perfis não coincidiam.

Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.
Chegaram ao lugar luminoso
onde a verdade esplendia seus fogos.
Era dividida em metades
diferentes uma da outra.

Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.
Nenhuma das duas era totalmente bela.
E carecia optar. Cada um optou conforme
seu capricho, sua ilusão, sua miopia.


(Carlos Drummond de Andrade)

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Convidando mudança e estabilidade



"Por que temos essa relação de amor/ódio com a mudança? Algumas pessoas querem que as coisas permaneçam sempre as mesmas, enquanto outros desejam desesperadamente que cada aspecto de suas vidas mude. E que poder temos realmente para mudar nosso ambiente? Ambientes mudam quando a nossa mente muda. Então experimentamos menos opressão e um navegar suave nas mais altas velocidades.

A verdadeira questão é: o que é mutável na vida e o que é permanente? Quando mudamos nosso foco para o real versus o irreal, o equilíbrio com a mudança acontece. Nós quebramos a nossa resistência às mudanças aceitando-as como uma parte natural do nosso percurso pela vida. Congratulamo-nos com a mudança e amamos a estabilidade daquilo que permanece igual. Nossa armadura cai e é substituída por uma gentileza de coração e de espírito. Neste estado a energia, às vezes delicada, das oportunidades torna-se mais disponível para nós. A vida é vista como doce e sutil como a fragrância de uma flor em plena floração. Há uma disposição para tentar intenções e desejos que pareciam impossíveis de obter. E experimentamos mais fluidez com o que muda e  solidez com aquilo que é permanente."

Guruatma S. Khalsa


Imagem http://www.blogdosempreendedores.com.br/2010/06/13/encontre-o-equilibrio-no-proximo-workshop-endeavor/

Sobre Comer, Rezar e Amar

Tudo que vejo ao meu redor é em verdade um reflexo do meu mundo interior.Através dos pensamentos,sensações e atitudes participo da força criadora que expande universo.*

 



Há alguns anos escrevi um texto "motivado" pelas infindáveis horas que passava vendo TV enquanto estava à toa na Itália. Naquela ocasião, escrevi que não achava estranho rever minha vida à luz de uma série de TV, meio que me desculpando pela motivação do texto. Agora vou me justificar porque estou revendo a vida à luz de um best-seller...

Nunca tive muita paciência para best-sellers, meu lado PIMBA ( Pseudo-Intelectual-Metida-a-Besta) me empurrava pra bem longe deles, e esse não foi exceção. Escutava as pessoas comentarem,  a imprensa no mundo inteiro enchendo a bola do livro, que era isso, era aquilo, tinha mudado a vida de muitas mulheres, blá-blá-blá... Confesso que tinha muita preguiça...

Mas um dia resolvi dar uma chance ao livro. Não sei como  “Comer, rezar, amar” influenciou a vida das centenas de milhares de mulheres que o leram nos últimos anos. Não sei se provocou algum tipo de revolução, se as impulsionou a fazer as malas, se mostrou caminhos. Mas sei como está influenciando a mim. Na verdade, creio que representa o fechamento de um ciclo de “coincidências” que me trouxeram ao momento de hoje.

Pra quem não conhece a história, o livro trata da jornada de autoconhecimento de uma escritora norte-americana, durante um ano de viagem à Itália (o prazer), a Índia (a devoção) e à Indonésia (o amor). Conheço a Itália, conheço o prazer que ela experimentou, então essa parte apenas me trouxe boas recordações. Não conheço a Indonésia, mas entendo que essa seja a parte que a maioria das mulheres mais gosta, pois foi lá que ela encontrou o amor. Mesmo pras mais céticas, no fundo é o que todas nós queremos viver, aquele grande amor sem complicações, sofrimentos e dores. E ela fez por merecer aquele amor no fim da sua jornada.

Mas meu coração, minha emoção, ficaram na Índia. A devoção. Rezar. Foi ali, na Índia, meditando e praticando Yoga, que ela conseguiu encontrar seu centro. E foi ali que o livro me pegou “pelo estômago”. Que meus amigos não se assustem, não tive um surto de iluminação religiosa. Apenas estou aceitando que certas coisas não estão sob meu controle e nem definitivamente sob o jugo da razão...


Obviamente fui apenas uma das centenas de milhares de mulheres que se identificaram com a autora, que se viram espelhadas nas descrições que ela faz de si mesma: controladora, com mania de perfeição, incapaz de se relacionar de maneira saudável com um homem sem se converter na sombra desse relacionamento, incapaz de aceitar os fracassos (diários e comuns) impostos pela vida, sempre iniciando novos projetos que muitas vezes ficam pelo caminho, ansiosa, desesperada, com medo de ser devorada pelo tempo, sem entender que as coisas são como devem ser. Essa é Elizabeth, e essa sou eu.   

Não me divorciei, nem tive que desistir de um amor que não conseguia se concretizar, pelo menos não recentemente, mas as cicatrizes dos supostos “fracassos” amorosos estão aqui, e também as dúvidas sobre os porquês da incapacidade de amar de maneira saudável. Mas esse não é o motivo que me fez sentir a identificação tão grande com Elizabeth. Eu me identifiquei porque também me sinto perdida, sem rumo, sem certezas, sem “casa”.  E assim como ela, preciso desesperadamente encontrar o centro em mim mesma, o equilíbrio e, porque não, a devoção.

Para se encontrar, Elizabeth escolheu viajar, para sair daquela paisagem familiar, se afastar fisicamente das "razões" do seu sofrimento, e ficar consigo mesma. Não descartei a possibilidade de viajar também fisicamente, mas isso ficará um pouco mais para frente. No momento, minha viagem vai ser só interior...

Há dois meses escrevi aqui sobre minha experiência com a yoga. Continuo praticando (menos do que gostaria e deveria) e continuo sentindo os efeitos dessa prática. O livro me ajudou a ver com mais clareza que estou no caminho certo, que o mergulho sem redes para dentro de mim é o único meio para encontrar quem realmente sou e que yoga e devoção podem me ajudar a trilhar a estrada de volta.


BH,  26/10/2010

*Rodrigo Goston D' Fernand- http://encontrodentrodemim.blogspot.com/

Imagem: http://4.bp.blogspot.com/_Xx5ra88JGro/SZnoBVfXlbI/AAAAAAAABps/MlU_SVqS-lU/s320/Somos++Luz.jpg






segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Palavras emprestadas - À Luz da Nossa Sombra



Nossa sombra existe e faz parte de nós. Essa dualidade é intrínseca ao nosso ser e apenas quando a abraçamos sem medo e sem vergonha é que encontramos o equilíbrio em nossa vida. Esse é o caminho do meio: nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Mas vivemos em uma sociedade que determina padrões de comportamento, que nos dita regras e nos impõe determinadas atitudes, mesmo que nos façam mal. Já temos gravada em nossas células a memória de que o lado escuro de nossa personalidade não deve ser aceito. Nos envergonhamos dele e tentamos de todas as maneiras cancelar sua existência inevitável em nossa personalidade. Dos pares de opostos que habitam em nos - luz e sombra, divino e diabólico, santo e profano... - tentamos fingir que só o que é bom existe.

Pois é chegada a hora de nos “ rebelarmos” contra essa ditadura, é chegada a hora de inovarmos, recriarmos nossa vida. Que tal adotar um novo paradigma segundo o qual nos sentimos a vontade com quem somos, aceitamos nossa personalidade como ela é? A aceitação total de nossa sombra automaticamente nos faz aceitar a sombra das pessoas a nossa volta, ou seja, nos torna mais compassivos. Começamos a olhar para os fatos sem julgamentos e sem críticas. Nos conscientizamos que a dualidade é natural e universal.

Assim, o turbilhão de nossos pensamentos vai gradativamente diminuindo, a mente se aquieta, fica mais calma e tranqüila. Aos poucos abrem-se espaços entre os pensamentos para que possamos seduzir nosso espírito e ouvir as mensagens inspiradoras de nossa alma. Vamos resgatando o melhor de cada um de nós. Não é irônico? Exatamente quando fazemos as pazes com nossa sombra é que nos tornamos mais iluminados. A verdade é que precisamos ser humildes o suficiente para aceitar que o que recebemos do universo é perfeito. E, então, devemos começar a explorar as infinitas possibilidades de crescimento e de desenvolvimento que existem atrás de cada adversidade.

No momento em que aceitamos e abraçamos nossa dualidade, nossas emoções vão se acalmando e começamos a sentir o estado de paz interior. Paz por ser e não por ter. O ter, alias, é sempre conseqüência do ser e quanto mais formos mais teremos. Isso porque nos conectamos com o imenso poder da natureza e trazemos a nós a abundância que nele existe. Nosso corpo passa a produzir substâncias como serotonina e dopamina, que vão aumentar nosso bem-estar e promover saúde. Nosso sistema imunológico se eleva diminuindo o índice de doenças em nossas vidas.

Ao aceitar nossa sombra, eliminamos o sentido de separação que gera toda a infelicidade da humanidade. Voltamos a ser íntegros e a viver na totalidade do nosso ser.

Márcia De Luca
 

http://www.ciymam.com.br/midia/filosofia_2010_Setembro.htm

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Gracias a la vida


Gracias a la vida que me ha dado tanto.
Me dio dos luceros que, cuando los abro,
perfecto distingo lo negro del blanco,
y en el alto cielo su fondo estrellado
y en las multitudes el hombre que yo amo.

Gracias a la vida que me ha dado tanto.
Me ha dado el oído que, en todo su ancho,
graba noche y día grillos y canarios;
martillos, turbinas, ladridos, chubascos,
y la voz tan tierna de mi bien amado.

Gracias a la vida que me ha dado tanto.
Me ha dado el sonido y el abecedario,
con él las palabras que pienso y declaro:
madre, amigo, hermano, y luz alumbrando
la ruta del alma del que estoy amando.

Gracias a la vida que me ha dado tanto.
Me ha dado la marcha de mis pies cansados;
con ellos anduve ciudades y charcos,
playas y desiertos, montañas y llanos,
y la casa tuya, tu calle y tu patio.

Gracias a la vida que me ha dado tanto.
Me dio el corazón que agita su marco
cuando miro el fruto del cerebro humano;
cuando miro el bueno tan lejos del malo,
cuando miro el fondo de tus ojos claros.

Gracias a la vida que me ha dado tanto.
Me ha dado la risa y me ha dado el llanto.
Así yo distingo dicha de quebranto,
los dos materiales que forman mi canto,
y el canto de ustedes que es el mismo canto
y el canto de todos, que es mi propio canto.

Gracias a la vida que me ha dado tanto.
(1964-1965)

Fotografia: Vista da janela do carro, descendo Valle Nevado, no Chile. Como não dar graças?

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

A verdadeira satisfação


"Percepção pode determinar a nossa capacidade de sermos felizes, contentar-nos e viver em um estado de êxtase. Existe um ditado: antes da iluminação, se deve cortar lenha e carregar água, depois da iluminação, se deve cortar lenha e carregar água.  Iluminação não significa conseguir que todas as coisas estejam em ordem para que possamos ser felizes. É mais profundamente relacionado a encontrar alegria em qualquer circunstância, estejam as coisas em ordem ou não. É a noção de aceitar que onde quer que você esteja, é exatamente o lugar onde você deveria estar e também o caminho perfeito até dentro de você. 
A verdadeira satisfação está na compreensão de que essa jornada, esse momento, pode ser totalmente apreciado e vivenciado em sua perfeição sem que tenhamos que controlar os acontecimentos, pessoas e situações."


Guruatma S. Khalsa
http://guruatma.com/

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Simbiose amorosa



Uma das facetas mais facilmente identificáveis das relações amorosas é a simbiose, quando um dos parceiros deixa de lado seus próprios gostos, pensamentos, crenças e desejos para assumir as preferências e projetos do ser amado. Não preserva a individualidade e passa a ser sombra do outro, ou aquilo que o outro espera.

No dicionário, simbiose está definida como uma associação de dois ou mais seres de espécie diferente, que lhes permite viver com vantagens recíprocas e os caracteriza como um só organismo.

No campo emocional, uma relação simbiótica é aquela em que um parceiro passa a sentir o que o outro sente, gostar do que o outro gosta e até mesmo modifica sua essência em função do outro. Ou seja, deixa de ser um indivíduo único para fazer parte de uma entidade, “o casal”.

Quem de nós nunca fez isso que atire a primeira pedra...

Posso enumerar pelo menos uma dúzia de “hábitos” que adquiri com velhos amores, e outra dezena de gostos (principalmente musicais e gastronômicos) aprendidos/copiados, inicialmente para agradar ao parceiro e que acabei incorporando como meus. Muito recentemente me abri para visões diferentes de mundo por influência de um encontro amoroso e não me arrependo nem um pouco disso.

Esses são comportamentos absolutamente normais e fazem parte do roteiro amoroso, que muitas vezes exige que cedamos um pouco e nos adaptemos às características e necessidades do parceiro, para que possamos efetivamente vivenciar uma relação plena. Até ai, tudo normal.

A questão é quando essa simbiose, que já não é tão saudável, se desloca para o lado do parasitismo. Quando passamos a ajustar tanto o nosso caminho para encontrar o caminho do outro que começamos a esquecer quem verdadeiramente somos. Aos poucos vamos perdendo nossas características individuais para agradar ou atender às expectativas do parceiro, para nos tornarmos alguém que vai ser objeto de devoção e amor eternos, pelo menos na nossa visão.

Agimos como alguns parasitas na biologia, que possuem todos os seus órgãos em perfeito funcionamento, mas se agarram a outro ser e vão, aos poucos, perdendo suas característica individuais até se tornarem simplesmente uma parte do outro para assim conseguir sobreviver.

Mesmo correndo o risco de ser taxada de preconceituosa, creio que esse tipo de comportamento é mais comum, ou pelo menos mais observável a olho nu, nas mulheres. Talvez porque histórica e inconscientemente nós estejamos sempre procurando o príncipe que chegará no cavalo branco e nos resgatará, levando-nos para o seu castelo onde o amor será eterno. Mas para entrar no castelo sonhado, também teríamos que ser princesas, então aprendemos a nos comportar como tal, com todos os truques, jogos de cena e personagens sociais que nos farão parecer a princesa ideal para o nosso príncipe tão aguardado.

Manipulação, astúcia e habilidade de convencimento são característica tipicamente femininas, mas isso não impede que os homens também se utilizem desses artifícios para mostrar às suas parceiras que são, ou estão prestes a ser, o companheiro que elas esperam.  E nem que esse tipo de comportamento se restrinja aos casais heterossexuais. Aliás, entre meus amigos gays e lésbicas esse comportamento é até mais fácil de ser observado (mas aqui por outras razões além das que já comentei.)

O desejo de ser amado, de ser correspondido, aliado à insegurança e ao medo de perder - que parece ser inerente ao ser humano desde o seu nascimento - inúmeras vezes acaba nos levando a comportamentos destrutivos do nosso eu, ou ainda à manipulação do outro, ao qual tentamos convencer arduamente que somos aquilo que ele deseja, ou pelo menos que estamos trabalhando para isso.

Isso não quer dizer que não sejamos capazes de mudar, de nos tornarmos pessoas melhores, mas essas mudanças devem partir da nossa necessidade de crescimento pessoal e não em nome do amor pelo outro, para agradar ou preservar a qualquer custo o relacionamento ou mesmo o amor do parceiro.

Esses são jogos de poder, que praticamos pelo tal medo da perda, medo de que mais uma vez a porta do castelo se feche atrás de nós ao descobrirem que não somos as princesas que deveriam viver ali. São jogos velados, que buscamos esconder a todo custo, mas que no fundo enfraquecem os laços amorosos porque um dos lados acaba sofrendo com a manipulação.

Nem sempre esses jogos são conscientes. Aliás, no mais das vezes não são, e acabamos percebendo que aquela simbiose não nos traz benefícios somente quando algo dentro de nós, sufocado para agradar e atender às expectativas do outro, se manifesta e nos trás para a realidade dizendo: isso aqui é você, e não esse personagem cor-de-rosa que você criou.

Existe uma complexa e definitiva diferença entre conquistar o amor e acorrentar uma alma, muito maior que os manuais de auto-ajuda pregam. Os jogos de poder invariavelmente conduzem quem manipula o amor do outro a um abismo, no qual o manipulador se joga por não conseguir mais identificar onde termina o jogo e onde começa seu eu verdadeiro. E voltar desse abismo é uma tarefa dolorosa...

Como é doloroso também aceitar, tanto para um quanto para o outro, quando é hora de ter coragem e apertar o GAME OVER.

Imagem: http://abnoxio.weblog.com.pt/arquivo/correntes.jpg

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Amor no século XXI

 "O amor não é uma experiência natural, mas algo construído socialmente. O amor romântico, pelo qual a maioria de homens e mulheres do Ocidente tanto anseiam, se caracteriza pela idealização do outro e traz a ideia de que você tem que encontrar alguém que te complete, sua alma gêmea. Esse tipo de amor prega a fusão total entre os amantes e a ideia de que os dois se transformarão num só. Somos tão condicionados a desejar vivê-lo, que é comum se falar de amor como se ele nunca mudasse. Cada uma das conversas amorosas inventadas foi dando uma forma diferente aos nossos relacionamentos. Mas todos acabaram se transformando em linguagens que não nos servem mais. Agora, a busca da individualidade caracteriza a época em que vivemos; nunca homens e mulheres se aventuraram com tanta coragem em busca de novas descobertas, só que, desta vez, para dentro de si mesmos. Cada um quer saber quais são suas possibilidades, desenvolver seu potencial. O amor romântico propõe o oposto disso, na medida em que prega a fusão de duas pessoas. Ele então começa a deixar de ser sedutor. Um amor baseado na amizade e no companheirismo está surgindo. Haverá menos idealização e você vai poder perceber melhor o outro. O amor romântico está saindo de cena e levando com ele a sua principal característica: a exigência de exclusividade. Sem a ideia de encontrar alguém que te complete, abre-se um espaço para outros tipos de relacionamento, com a possibilidade de se amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo."

Regina Navarro, autora de "A cama na varanda-Arejando suas idéias sobre sexo e casamento", em entrevista concedida ao blog 50 e mais (http://www.50emais.com.br/archives/1)

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Sobre sincronicidade e amor

Já escrevi aqui sobre sincronicidade e cada vez mais creio que não existe acaso, coincidências. Não quero dizer com isso que ache que o “destino”, aquele cara que anda com um livro enorme nas mãos anotando e riscando o que acontece, é quem governa nossas vidas. Não é bem isso. Mas certas coisas têm que acontecer e acontecem no momento exato em que precisamos delas... Isso é sincronicidade. Como os encontros inesperados que nos mostram que a beleza esteve sempre lá, você é que não estava conseguindo enxergar.

No último feriado estava em Brasília e fui assistir a Orquestra do Goran Bregovic. Música para Casamentos e Funerais, super pertinente para o meu momento de vida, de morte e renascimento...rs. No meio do show, por um desses momentos de sincronicidade, avistei um amigo.

Um amigo que me conhece há uns 28 anos (detestava quando ele me apresentava assim, ‘ela é minha amiga há xx anos’, me sentia uma idosa...) e que, pelas idas e vindas de nossas vidas, encontrei e desencontrei várias vezes no passar dos anos. Tantos desencontros que teve uma época em que cheguei a ser chamada de ex-amiga...

Quando conversamos, como se não tivesse passado tanto tempo, ele disse que me havia (re)conhecido lá na Praça da República  e que eu brilhava. A última coisa que eu esperava era que alguém enxergasse brilho em mim naquele momento. Mas o olhar do amigo que me conheceu aos 8, aos 15, aos 22, aos 30, reconheceu o que eu mesma não enxergava mais.

Estamos em momentos de vida parecidos, momentos de nos desfazermos do que não serve mais, de deixar para trás o que não nos faz bem, que não nos traz crescimento. Momento de aprender a ser feliz e aceitar que merecemos isso.

Voltar a Brasília agora, passado tão pouco tempo que a “deixei”, provocou sensações estranhas e contraditórias. Não foi um “mar de tranqüilidade”, esteve mais para um “vale de lágrimas”. Mas uma das coisas boas e mágicas dessa visita foi, sem dúvida, reconhecer e ser reconhecida no meio da praça.

Depois de conversarmos e de desfiar meu rosário, ele me escreveu:
“Sobre a nossa conversa de ontem e sobre dar e receber amor, está claro para mim que o universo exige de nós dois que é hora de ser adulto, Jana.
E ser adulto não é querer receber amor de quem desejamos, é dar amor incondicionalmente (sem, claro, jogar pérolas aos porcos). Quem merece o seu amor? Ou melhor, como cada um que passa por sua vida merece o seu amor? E o que e a quem você pode corresponder?

O amor adulto depende, por incrível que pareça, de um tanto de razão - mas não de racionalizações, de especulações grande parte das vezes vazias. Depende de reconhecermos os propósitos da vida.

Qual a razão do que você sente e o que seu coração anseia? É aí que se encontra a resposta (...)”

Espero que toda a sincronicidade que permeou esse encontro ajude a colocar dentro de mim, definitivamente, as sábias palavras do meu amigo.

É Cris, a partir de agora, interessa o amor que a gente dá.


* Para Cristiano, com amor.

domingo, 12 de setembro de 2010

Guide your way on

"Há uma frase de uma música que cantamos no final de nossas aulas de Kundalini. Ela diz:
'Que o sol brilhe muito tempo sobre você, todo o amor te rodeie e a pura luz dentro de você guie seu caminho.' Lembra-me que o caminho que percorro é dentro de mim mesmo, meu self infinito, e minha profunda conexão com uma parte de mim, que nunca pode ser destruída, corrompida ou danificada de nenhuma maneira. Hoje eu estava relaxando no final da aula e senti que a jornada era apenas para estar presente em cada momento. A jornada leva ao aqui e agora. Contentar-se neste momento é a real felicidade que está disponível para todos e cada um de nós.
O que podemos fazer para manter esse estado? Eu digo: o que for preciso para obtê-lo. O que quer que nos eleve e nos dê um estado de paz e felicidade no momento presente deve ser nossa prática."

Guruatma S. Khalsa

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

A culpa é do Chico Buarque



Sim, a culpa é dele.

A culpa por ter dito que futuros amantes quiçá se amarão sem saber, o amor que um dia eu deixei prá você.

Por ter nos mostrado que podíamos descartar os dias em que não te vi, como de um filme a ação que não valeu, rodar as horas pra trás, roubar um pouquinho e ajustar o meu caminho pra encostar no teu...

Por não ter nos explicado como fazer quando outro dia amanhecer, se será recomeçar ou  ser livre sem querer.

Por nos fazer aceitar qualquer amor barato, daquele tipo de amor que é de mendigar cafuné que é pobre e às vezes nem é honesto.

Por dizer que não era pecado se a gente se entregasse a qualquer preço, adorando pelo avesso...

Por nos fazer acreditar que quando o meu bem-querer me visse, havia de vir atrás, havia de me seguir por todos, todos, todos os umbrais.

Por nos fazer pedir notícias dele, ou dela, e por nos fazer dizer: eu gosto um pouco de chorar, a gente quase não se vê, me deu vontade de lembrar... Me deu vontade de voltar.

Por nos mostrar o desatino de amar de todas as maneiras, de todas as maneiras que há de amar, e ao fim nos empurrar, dizendo que agora já passa da hora, tá lindo lá fora, larga a minha mão, solta as unhas do meu coração.

Por revelar que só sobra dos desencontros um conto de amor sem ponto final...

Por nos fazer querer enganar dizendo: quando talvez me quiser rever, já vai me encontrar refeita, pode crer. E mentir dizendo que sem ele passo bem demais.

Por nos fazer entender como é perder um pedaço de si mesmo e que a saudade é o pior tormento. É pior do que o esquecimento é pior do que se entrevar.

Por nos fazer ajoelhar e implorar... pelo amor de Deus, não vê que isso é pecado, desprezar quem lhe quer bem. Não vê que Deus fica até zangado vendo alguém abandonado pelo amor de Deus.

Por nos fazer confessar que na bagunça de outro coração, nosso sangue errou de veia e se perdeu.

Por nos fazer sentir que os passos da estrada não vão dar em nada, que seus segredos sei de cor. Que já conheço as pedras do caminho e sei também que ali sozinho vou ficar, tanto pior.

Por nos ajudar a enlouquecer, louco, louco de querer bem, ao procurar uma saída e perceber que o amor não tem.

Por nos fazer prometer amar até o amor cair doente, e então partir a tempo de poder a gente se desvencilhar da gente.

Por nos ensinar a chorar pelas sobras de tudo que chamam lar, pelas sombras de tudo o que fomos nós.

Por nos endurecer o coração até dizer que aquela esperança de tudo se ajeitar, pode esquecer.

A culpa é sua, Chico Buarque, por sermos uns românticos inveterados que acreditam que o amor não tem pressa, que ele pode esperar em silêncio, num fundo de armário, na posta-restante, milênios, milênios no ar...

(Ok, você pode dividir a culpa com Vinícius de Moraes, Tom Jobim, Cartola,  Herivelto Martins...)


Deus lhe pague! *


Belo Horizonte, 02/09/2010
* Essa conclusão foi contribuição do Rafael, muito bem vinda e que tive que acrescentar ao texto ;)





Trechos das músicas: Futuros Amantes; Valsa Brasileira; Abandono; Amor Barato; Atrás da porta; Bem-querer; Cadê você; De todas as maneiras; Desencontro; Olhos nos Olhos; Pedaço de mim; Sobre todas as coisas; Eu te amo; Retrato em Branco e Preto; Tanta Saudade; Todo o sentimento e Trocando em miúdos 


Imagem: http://1.bp.blogspot.com/_hua6KHTAhrU/S7fhEfFSqbI/AAAAAAAABIY/DmJcrPBR-kE/s1600/olhos+nos+olhos+-+chico.PNG

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

A volta da mulher morena



Meus amigos, meus irmãos, cegai os olhos da mulher morena
Que os olhos da mulher morena estão me envolvendo
E estão me despertando de noite.
Meus amigos, meus irmãos, cortai os lábios da mulher morena
Eles são maduros e úmidos e inquietos
E sabem tirar a volúpia de todos os frios.
Meus amigos, meus irmãos, e vós que amais a poesia da minha alma
Cortai os peitos da mulher morena
Que os peitos da mulher morena sufocam o meu sono
E trazem cores tristes para os meus olhos.
Jovem camponesa que me namoras quando eu passo nas tardes
Traze-me para o contato casto de tuas vestes
Salva-me dos braços da mulher morena
Eles são lassos, ficam estendidos imóveis ao longo de mim
São como raízes recendendo resina fresca
São como dois silêncios que me paralisam.
Aventureira do Rio da Vida, compra o meu corpo da mulher morena
Livra-me do seu ventre como a campina matinal
Livra-me do seu dorso como a água escorrendo fria.
Branca avozinha dos caminhos, reza para ir embora a mulher morena
Reza para murcharem as pernas da mulher morena
Reza para a velhice roer dentro da mulher morena
Que a mulher morena está encurvando os meus ombros
E está trazendo tosse má para o meu peito.
Meus amigos, meus irmãos, e vós todos que guardais ainda meus últimos cantos
Dai morte cruel à mulher morena!


Vinícius de Moraes - Rio de Janeiro, 1935

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Relicário



Em Otranto, uma cidade do sul da Itália, existe a Catedral dos Mártires, uma igreja na qual estão expostos os crânios de 900 cristãos que tiveram suas cabeças cortadas pelos turcos durante a invasão da cidade no século XV, porque não aceitavam a conversão religiosa. Esses ossos foram preservados durante mais de 500 anos pela Igreja para que os fiéis não se esquecessem que aqueles cristãos morreram pela sua fé. Trata-se de um relicário muito poderoso, de grande importância para as pessoas que vivem naquele lugar e também cheio de significados, se pensarmos que os relicários (cristãos ou não) sempre foram utilizados para evitar que uma idéia, mensagem ou crença morresse ou se perdesse no tempo.

Existem outras igrejas e também outros locais que foram transformados em santuários ou memoriais - relicários gigantes - para preservar no tempo a martirização, a dor, a perda, o passado. Essa é uma idéia válida para que nós não nos esqueçamos de onde viemos e do que, por vezes, outras pessoas passaram para que nós chegássemos até aqui. Entendo a importância desses memoriais, dos relicários construídos para recordar o passado. Mas não acho que devamos abraçar essa idéia na nossa vida quotidiana.

Temos uma tendência a construir relicários para aqueles amores dos quais não conseguimos nos libertar, mesmo quando sabemos - ou entendemos - que o fim era a única possibilidade. Queremos guardar num pequeno quarto as lembranças doces, os olhares cúmplices, os sonhos compartilhados, realizados ou não. E guardamos também aquele desejo secreto, que escondemos até de nós mesmos: quem sabe um dia... E assim vamos construindo nosso próprio ossário, com fragmentos de uma vida que passou.

É isso que a maioria de nós costuma fazer com os ossos, com as lembranças dos relacionamentos passados, os sonhos, os planos traçados juntos. Trancamos num quarto e deixamos empoeirando, para ter a certeza de que se precisarmos eles estarão lá, para podermos olhar e lembrar-nos de como um dia fomos felizes.

A questão é que às vezes nos esquecemos que os ossos, as lembranças, também têm sua energia, que vai nos puxando, amarrando, levando para trás, nos conectando àquele relacionamento que acabou, àqueles momentos, àquela vida que não é mais a sua, aos sonhos que não são mais os seus, aos desejos que não se realizaram.

O mais recente blockbuster dos cinemas, "Inception", tem uma trama secundária que me interessou mais que a temática dos sonhos. O personagem de Leonardo di Caprio, Cobb, vive "assombrado" pela idéia/fantasma da esposa Mau, vivida por Marion Cotillard. Ela invade os sonhos não só de Cobb, mas também dos demais sonhadores, atrapalhando os planos do marido ao ponto de colocar em risco sua vida e a dos demais. Mau está morta, mas Cobb não consegue aceitar viver sem seu grande amor.

Em um determinado momento conhecemos o universo onírico de Cobb, todo formado pelas lembranças da vida dos dois, pelos momentos que ele não quer esquecer e que fazem com que se apegue cada vez mais ao passado, colocando em risco sua própria sanidade e, mais ainda, seu próprio eu, que não é mais capaz de sonhar. Só ao final é que consegue entender que a única saída para se encontrar de verdade é deixar a mulher partir, o que ele deixa claro ao dizer ao "fantasma": você é só uma sombra do que minha mulher foi, o melhor que eu consegui fazer, mas isso não é suficiente, não posso viver de uma sombra, preciso deixar você ir.

Porque nenhuma fantasia que se construa em cima das nossas lembranças vai ser tão satisfatória, nos trazer tanta felicidade quanto aquela realidade que sabemos que não tem volta. Mas muitas vezes não temos coragem de abrir mão das lembranças felizes, ficamos apegados àquele passado, imaginando como poderia ter sido ou se um dia ainda poderá ser. Fazemos como Cobb: criamos um mundo e colocamos o fantasma para habitar e de vez em quando vamos lá, no quarto dos ossos, e re-vivemos as lembranças, o "sonho", tentando resgatar as sensações que aquele amor, que não tem mais condições de existir, nos trazia. Os amores que passaram não são mais possíveis. Acabam e precisamos nos conscientizar disso, desapegar e aceitar o fim.

No final do filme Cobb tem a atitude extrema de colocar um ponto final naquele sofrimento, naquela ligação, ao matar "simbolicamente" Mau, pois seria a única maneira de buscar o caminho para sua redenção, a volta para casa, para dentro de si mesmo e para a realidade onde aquele amor não existe mais. O final do filme é aberto a interpretações várias e nem sei se o diretor tinha a intenção de dar esse tom à história de Cobb e Mau. Como cinema é sempre uma obra aberta, vou continuar com a minha visão ...

Voltar para casa é voltar para dentro de si mesmo, ser capaz de viver novamente sem o fantasma daquele amor, sem os ossos e a lembrança de algo que já terminou. Precisamos desocupar o quarto para que outros sonhos possam ser construídos, outras realidades vividas. Desapegar das lembranças para dar lugar a outras possibilidades, outros amores.

Temos que ser capazes de enterrar os ossos, enterrar profundamente. Não é nada fácil e para algumas pessoas isso tem que ser feito aos poucos, com cerimônia e luto. Os mortos não desejam e por isso mesmo permanecem. Mas precisamos ter consciência de que a primeira coisa é a vontade de enterrá-los. Porque a morte vem para tudo, tudo tem começo meio e fim, até mesmo aqueles amores que julgávamos eternos. Temos que aceitar as fases, as transições e os momentos, aceitar que as coisas existem enquanto tem que existir, e não enquanto queremos perpetuá-las.

"(...)O que você está fazendo?
Milhões de vasos
Sem nenhuma flor
O que você está fazendo?
Um relicário imenso desse amor(...)"
(Nando Reis)

Belo Horizonte, 26/08/2010

Imagem: http://www.salentopervoi.it