quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Dependência

Os dependentes químicos, quando vão para a reabilitação, passam por alguns estágios antes de sair de cara limpa. O primeiro passo, e acho que o mais doloroso, é reconhecer a dependência. Então vem a fase da desintoxicação, em que aquele elemento causador da dependência é retirado do organismo, pouco a pouco ou de uma só vez. Ai há choro, dor física, desespero, revolta, ódio, síndrome de abstinência. O terceiro passo é de manutenção, o dependente deve conseguir ficar longe daquilo que o viciava. Nessa fase é um dia após o outro, tipo “estou há 10 dias limpo”.

Quem está de fora, olhando a luta dessas pessoas, muitas vezes pensa que o dependente não tem força de vontade de deixar para trás aquilo que sabe que lhe faz mal. E julgam e condenam sem, entretanto, pensar que dependência não é uma exclusividade dos viciados em drogas, lícitas ou ilícitas.

Se conseguíssemos observar nossas relações amorosas com o mesmo distanciamento que temos em relação aos dependentes químicos, entenderíamos que a dependência amorosa é uma realidade mais presente do que a química. Mas como não é abertamente condenada pela sociedade, continuamos a viver relações nas quais nos anulamos, e nos mantemos simplesmente por não sermos capazes de nos libertar.

Viver um relacionamento sem depositar no outro nossos sonhos, desejos e esperanças é um desafio diário, uma batalha que muitas vezes perdemos sem perceber. E separar o “eu” do “nós” é ainda mais difícil. Parece que a dois é sempre mais fácil, mesmo que isso implique em deixar de lado grande parte de quem você é ou pretende ser apenas porque falta coragem para enfrentar a dolorosa realidade de estar só.

O preço a pagar pela individualidade é alto, pois significa se libertar da dependência amorosa e ter a capacidade de ser inteiro, mesmo a dois. Se não conseguimos preservar a individualidade, conectamos de tal maneira nossa vida à do outro que, chegado o momento de sair da relação, não somos capazes de largar nosso “vício”, mesmo que tenhamos a consciência (ou inconsciência) de que o fim chegou. Em nome da segurança, do hábito, do medo de arriscar negamos o fim, mesmo que todos os sinais estejam ali, evidentes (e eles sempre estão, não tenho dúvidas disso). A gente só não vê porque dói menos ignorar.

É ai que começa a nossa reabilitação. O primeiro passo é reconhecer nossa dependência do outro, daquela relação, e resolver parar. O passo dois também envolve choro, dor física, desespero, revolta, ódio, síndrome de abstinência – quando achamos que não conseguiremos viver sem o outro. Essa fase é extremamente dolorosa e difícil, porque nos acostumamos a ter alguém ao lado, nos acostumamos com a voz, as risadas, o cheiro da pele. Esse estágio termina com a desintoxicação, nosso coração se acostuma com a ausência e se fortalece, entendendo que não depende mais.

Assim como o dependente químico, o dependente amoroso enfrenta o terceiro passo da reabilitação e também tem que viver um dia de cada vez. Mas, diferentemente da dependência química, ninguém vai nos condenar se repetirmos nossos padrões amorosos, e sairmos daquela relação para outra em que também não sejamos inteiros. Para ser capaz de deixar para trás esse circulo vicioso é preciso enxergar o amor não como uma forma de complementar o que não somos ou não temos, mas sim como mais uma bela experiência para enriquecer a vida de um ser humano inteiro.


Agosto de 2009