sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Simbiose amorosa



Uma das facetas mais facilmente identificáveis das relações amorosas é a simbiose, quando um dos parceiros deixa de lado seus próprios gostos, pensamentos, crenças e desejos para assumir as preferências e projetos do ser amado. Não preserva a individualidade e passa a ser sombra do outro, ou aquilo que o outro espera.

No dicionário, simbiose está definida como uma associação de dois ou mais seres de espécie diferente, que lhes permite viver com vantagens recíprocas e os caracteriza como um só organismo.

No campo emocional, uma relação simbiótica é aquela em que um parceiro passa a sentir o que o outro sente, gostar do que o outro gosta e até mesmo modifica sua essência em função do outro. Ou seja, deixa de ser um indivíduo único para fazer parte de uma entidade, “o casal”.

Quem de nós nunca fez isso que atire a primeira pedra...

Posso enumerar pelo menos uma dúzia de “hábitos” que adquiri com velhos amores, e outra dezena de gostos (principalmente musicais e gastronômicos) aprendidos/copiados, inicialmente para agradar ao parceiro e que acabei incorporando como meus. Muito recentemente me abri para visões diferentes de mundo por influência de um encontro amoroso e não me arrependo nem um pouco disso.

Esses são comportamentos absolutamente normais e fazem parte do roteiro amoroso, que muitas vezes exige que cedamos um pouco e nos adaptemos às características e necessidades do parceiro, para que possamos efetivamente vivenciar uma relação plena. Até ai, tudo normal.

A questão é quando essa simbiose, que já não é tão saudável, se desloca para o lado do parasitismo. Quando passamos a ajustar tanto o nosso caminho para encontrar o caminho do outro que começamos a esquecer quem verdadeiramente somos. Aos poucos vamos perdendo nossas características individuais para agradar ou atender às expectativas do parceiro, para nos tornarmos alguém que vai ser objeto de devoção e amor eternos, pelo menos na nossa visão.

Agimos como alguns parasitas na biologia, que possuem todos os seus órgãos em perfeito funcionamento, mas se agarram a outro ser e vão, aos poucos, perdendo suas característica individuais até se tornarem simplesmente uma parte do outro para assim conseguir sobreviver.

Mesmo correndo o risco de ser taxada de preconceituosa, creio que esse tipo de comportamento é mais comum, ou pelo menos mais observável a olho nu, nas mulheres. Talvez porque histórica e inconscientemente nós estejamos sempre procurando o príncipe que chegará no cavalo branco e nos resgatará, levando-nos para o seu castelo onde o amor será eterno. Mas para entrar no castelo sonhado, também teríamos que ser princesas, então aprendemos a nos comportar como tal, com todos os truques, jogos de cena e personagens sociais que nos farão parecer a princesa ideal para o nosso príncipe tão aguardado.

Manipulação, astúcia e habilidade de convencimento são característica tipicamente femininas, mas isso não impede que os homens também se utilizem desses artifícios para mostrar às suas parceiras que são, ou estão prestes a ser, o companheiro que elas esperam.  E nem que esse tipo de comportamento se restrinja aos casais heterossexuais. Aliás, entre meus amigos gays e lésbicas esse comportamento é até mais fácil de ser observado (mas aqui por outras razões além das que já comentei.)

O desejo de ser amado, de ser correspondido, aliado à insegurança e ao medo de perder - que parece ser inerente ao ser humano desde o seu nascimento - inúmeras vezes acaba nos levando a comportamentos destrutivos do nosso eu, ou ainda à manipulação do outro, ao qual tentamos convencer arduamente que somos aquilo que ele deseja, ou pelo menos que estamos trabalhando para isso.

Isso não quer dizer que não sejamos capazes de mudar, de nos tornarmos pessoas melhores, mas essas mudanças devem partir da nossa necessidade de crescimento pessoal e não em nome do amor pelo outro, para agradar ou preservar a qualquer custo o relacionamento ou mesmo o amor do parceiro.

Esses são jogos de poder, que praticamos pelo tal medo da perda, medo de que mais uma vez a porta do castelo se feche atrás de nós ao descobrirem que não somos as princesas que deveriam viver ali. São jogos velados, que buscamos esconder a todo custo, mas que no fundo enfraquecem os laços amorosos porque um dos lados acaba sofrendo com a manipulação.

Nem sempre esses jogos são conscientes. Aliás, no mais das vezes não são, e acabamos percebendo que aquela simbiose não nos traz benefícios somente quando algo dentro de nós, sufocado para agradar e atender às expectativas do outro, se manifesta e nos trás para a realidade dizendo: isso aqui é você, e não esse personagem cor-de-rosa que você criou.

Existe uma complexa e definitiva diferença entre conquistar o amor e acorrentar uma alma, muito maior que os manuais de auto-ajuda pregam. Os jogos de poder invariavelmente conduzem quem manipula o amor do outro a um abismo, no qual o manipulador se joga por não conseguir mais identificar onde termina o jogo e onde começa seu eu verdadeiro. E voltar desse abismo é uma tarefa dolorosa...

Como é doloroso também aceitar, tanto para um quanto para o outro, quando é hora de ter coragem e apertar o GAME OVER.

Imagem: http://abnoxio.weblog.com.pt/arquivo/correntes.jpg

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