sexta-feira, 3 de setembro de 2010

A culpa é do Chico Buarque



Sim, a culpa é dele.

A culpa por ter dito que futuros amantes quiçá se amarão sem saber, o amor que um dia eu deixei prá você.

Por ter nos mostrado que podíamos descartar os dias em que não te vi, como de um filme a ação que não valeu, rodar as horas pra trás, roubar um pouquinho e ajustar o meu caminho pra encostar no teu...

Por não ter nos explicado como fazer quando outro dia amanhecer, se será recomeçar ou  ser livre sem querer.

Por nos fazer aceitar qualquer amor barato, daquele tipo de amor que é de mendigar cafuné que é pobre e às vezes nem é honesto.

Por dizer que não era pecado se a gente se entregasse a qualquer preço, adorando pelo avesso...

Por nos fazer acreditar que quando o meu bem-querer me visse, havia de vir atrás, havia de me seguir por todos, todos, todos os umbrais.

Por nos fazer pedir notícias dele, ou dela, e por nos fazer dizer: eu gosto um pouco de chorar, a gente quase não se vê, me deu vontade de lembrar... Me deu vontade de voltar.

Por nos mostrar o desatino de amar de todas as maneiras, de todas as maneiras que há de amar, e ao fim nos empurrar, dizendo que agora já passa da hora, tá lindo lá fora, larga a minha mão, solta as unhas do meu coração.

Por revelar que só sobra dos desencontros um conto de amor sem ponto final...

Por nos fazer querer enganar dizendo: quando talvez me quiser rever, já vai me encontrar refeita, pode crer. E mentir dizendo que sem ele passo bem demais.

Por nos fazer entender como é perder um pedaço de si mesmo e que a saudade é o pior tormento. É pior do que o esquecimento é pior do que se entrevar.

Por nos fazer ajoelhar e implorar... pelo amor de Deus, não vê que isso é pecado, desprezar quem lhe quer bem. Não vê que Deus fica até zangado vendo alguém abandonado pelo amor de Deus.

Por nos fazer confessar que na bagunça de outro coração, nosso sangue errou de veia e se perdeu.

Por nos fazer sentir que os passos da estrada não vão dar em nada, que seus segredos sei de cor. Que já conheço as pedras do caminho e sei também que ali sozinho vou ficar, tanto pior.

Por nos ajudar a enlouquecer, louco, louco de querer bem, ao procurar uma saída e perceber que o amor não tem.

Por nos fazer prometer amar até o amor cair doente, e então partir a tempo de poder a gente se desvencilhar da gente.

Por nos ensinar a chorar pelas sobras de tudo que chamam lar, pelas sombras de tudo o que fomos nós.

Por nos endurecer o coração até dizer que aquela esperança de tudo se ajeitar, pode esquecer.

A culpa é sua, Chico Buarque, por sermos uns românticos inveterados que acreditam que o amor não tem pressa, que ele pode esperar em silêncio, num fundo de armário, na posta-restante, milênios, milênios no ar...

(Ok, você pode dividir a culpa com Vinícius de Moraes, Tom Jobim, Cartola,  Herivelto Martins...)


Deus lhe pague! *


Belo Horizonte, 02/09/2010
* Essa conclusão foi contribuição do Rafael, muito bem vinda e que tive que acrescentar ao texto ;)





Trechos das músicas: Futuros Amantes; Valsa Brasileira; Abandono; Amor Barato; Atrás da porta; Bem-querer; Cadê você; De todas as maneiras; Desencontro; Olhos nos Olhos; Pedaço de mim; Sobre todas as coisas; Eu te amo; Retrato em Branco e Preto; Tanta Saudade; Todo o sentimento e Trocando em miúdos 


Imagem: http://1.bp.blogspot.com/_hua6KHTAhrU/S7fhEfFSqbI/AAAAAAAABIY/DmJcrPBR-kE/s1600/olhos+nos+olhos+-+chico.PNG

3 comentários:

Alysson Lisboa Neves disse...

Já confundimos tanto as nossas pernas, tanto mar, tanto mar.. Chico é o retrato do amor, ora bandido, ora entregue e escancarado. Chico fala daquilo que sonhamos, do amor puro e sincero!
Ótimo post o seu, vou acompanhar suas escrituras agora que conheço mais de sua essência. Beijos

Adriana ♣* disse...

Janaina,

Você NUNCA vai morrer de fome!

Você tem o 'dom' da palavra e melhor: você SABE disso.

Essa é a grande sacada!

Que benção!

Com certeza você é merecedora desse privilégio.

Bjs,

Adriana

Janaina disse...

Muito obrigada, Adriana!
Queria só ser mais regular...Não acho que dá pra viver mesmo de literatura, mas no fundo até já vivo do que escrevo na minha profissão.
Bjs!