terça-feira, 9 de agosto de 2011

O que fazer com a tal da impermanência?

Eu vou morrer (espero que não tão cedo). Você vai morrer (também espero que demore bastante). Minha cachorrinha querida ficou 8 anos com leishmaniose, até morrer. Seu parente querido morreu. A morte é a única novidade anunciada desde o nosso nascimento.

Ok, deixa eu ser menos mórbida: as plantas nascem e morrem todos os dias, e nem nos importamos com isso. As estações vem e vão e, por mais que adoremos o verão, sabemos que ele não vai durar mais do que três meses. O dia vira noite, a gente chega e parte dos lugares em que pensávamos que permaneceríamos para todo o sempre. Amigos vem, outros se vão. Amores começam e, como tudo na vida, terminam, com mais ou menos sofrimento.

Isso é impermanência. Um conceito budista, mas perfeitamente aplicável à minha vida: a consciência de que, por mais que desejássemos o contrário, tudo nesse mundo(talvez também em outros) sempre, inexoravelmente, chega ao seu final. 

Para os budistas, um pouco mais do que isso: tudo o que vivemos nesse plano, a vida como conhecemos,com todos os seus detalhes, perdas, amores, medos, sofrimentos, alegrias, derrotas, vitórias, não passa de um sonho, do qual nos cabe despertar, olhando e reconhecendo a si mesmo e buscando a iluminação. Ou seja, a vida que levamos, nós ocidentais médios, não é vida, é apenas um passar do tempo que não nos trará nenhuma iluminação enquanto não formos capazes de aceitar que morremos a cada instante, e que tudo que está a nossa volta já está deixando de existir.

Não sei se chegarei a entender e aceitar a impermanência de forma tão...budista. Mas uma parte do conceito me é muito familiar: para aceitar e viver a impermanência, devo aprender a me ver livre dos meus apegos.

Meus textos costumam apontar caminhos, saídas, possibilidades ( sim, sou suficientemente vaidosa para achar que o que escrevo pode fazer diferença na vida de quem me lê. Vaidade, seu nome é mulher, mais precisamente, Janaina.). Dessa vez, não conheço a saída. Ao contrário, estou bem perdida, à procura, lutando contra minha incapacidade de me desapegar.

Anos atrás um namorado, em nosso aniversário, me presenteou com um bouquet de rosas azuis. Fiquei extasiada, eram lindas e originais, escolhidas para mim. Na manhã seguinte, estavam totalmente murchas. Liguei para ele aos prantos, minhas rosas tinham morrido no dia do nosso aniversário, aquilo era um mau presságio! Ele me consolou, foi até minha casa com uma cesta contendo flores plantadas e me disse: 'pronto, essas aqui não vão morrer, assim como nosso namoro'. Bom, não preciso dizer que as flores também morreram (não de um dia para o outro, claro), assim como o namoro de três anos, que terminou dias depois.

Demorei mais de um ano para conseguir aceitar que aquele fim, aquela morte, era absolutamente necessária para o crescimento de ambos como adultos que estávamos nos tornando. Mas demorei, aliás, demoramos, muito mais do que só um ano para finalmente nos desapegarmos. Eu não era para ele, ele não era para mim, mas o apego estava lá, nos afastando e reaproximando por muito tempo ainda.

Me considero incapaz de desapego. De viver o momento e partir sem olhar para trás, porque continuo desejando que aquele prazer, sensação, sentimento, permaneçam. Ao me despedir de lugares onde sei que dificilmente retornarei, sindo uma dor profunda, como se fosse obrigada a deixar para trás parte de mim. E realmente não estou exagerando, meu apego é tão intenso, por tudo e por todos, que se transforma em dor quando tenho que compreender e aceitar que é o fim, que não voltarei mais, que aquilo não pode ser meu, que meu amor se foi, que minha gata morreu, que a vida vai terminar, eu me apegando a ela ou não...

Para compreender e efetivamente internalizar o conceito da impermanência e toda sua força, duas coisas são fundamentais: lidar com a ansiedade do tudo ao mesmo tempo agora e aceitar as perdas como parte da vida, sem apego ao que fica ou que passou.

Pra quem me conhece, só por ai já dá para ver que a pessoa vai ter um trabalhão para viver a tal da impermanência. Na razão é fácil, quero ver é colocar em prática, d. Janaina...

6 comentários:

Lucio disse...

Nossa cultura rejeita a morte violentamente, e isso traz coisas que nao sao saudáveis. Evitamos conversar sobre, negligenciamos idosos, e o pior: nao nos preparamos pras perdas. Algum pai treina o filho pra perdas? Pois é. Desde cedo somos programados pra fugir do assunto.
(Hoje mesmo estava conversando com um amigo vegano, e falei pra ele como acho que esse medo influencia a moral vegana radical de "ser errado matar um animal", mas isso é outro papo)

Portanto, esse medo é mais que normal. Tanto que no meu ponto de vista, a maior utilidade da religião é nos fazer administrar esse medo, da morte. Só que algumas religiões tentam te alienar, outras te fazer acreditar em "recompensas-pós-morte", e outras, como o budismo, tentam te dar uma consciencia maior dessa impermanência. Através do exercicio da compreensao da vida como um todo, da diminuição progressiva do apego e do Ego. Sim, é o maior medo/conflito do homem, não é fácil, e não é a toa que em algumas culturas se apega a religiao a ponto de se matar, em algumas situações. Mas existe esta forma consciente e mais sadia de lidar com isso. Tambem acho importante lembrar que a aceitação da vida é essencial. Enquanto nos apegarmos ao "se" ou ao "que pena" ou a arrependimentos ou a saudosismos, estamos de uma certa forma negando a vida como ela é, e deixando de olhar pra frente pra *improvisar* (uma das maiores qualidades do ser humano) nosso futuro.

Pra terminar, deixo uma citação bem conhecida:
Perguntaram ao Dalai Lama....

"O que mais ter surpreende na humanidade?

E ele respondeu:

"Os homens...porque perdem a saúde para juntar dinheiro, depois perdem dinheiro para recuperar a saúde.
E por pensarem ansiosamente no futuro, esquecem do presente de tal forma que acabam por não viver nem o presente nem o futuro.
Vivem como se nunca fossem morrer...e morrem como se nunca tivessem vivido."

bjos
Lucio K

Li Santana disse...

Bom, sou daquelas que acredita piamente que 'encontros e desencontros' não acontecem por mero acaso. E isso se aplica na nova amiga que ganhei: você. Tenho a surpreendente sensação de que te conheço há tanto tempo. Talvez, pq suas dores sejam tão próximas às minhas. Talvez por termos a mesma idade... Não sei a razão. Só consigo te perceber tão próxima e já 'tão' minha amiga.

Janaina disse...

Só uma observação, Lucio, o budismo também trabalha com a idéia de vida "após a morte física", mas não no sentido reencarnacionista, como nascer em outro corpo, mas de renascimento, tanto o renascimento diário e constante nessa vida, quanto a continuidade da propria vida em outra, como uma vela que antes de ser apagada acende pelo próprio pavio a próxima, até que o ser humano esteja pronto, suficientemente evoluido para que não seja mais necessário renascer, tornando-se iluminado, o desejado nirvana.
Mas chegar lá...puxa, não é a toa que são poucos os lamas, porque para nós, reles mortais, ligados à experiência terrena por nossos apegos, pelo sofrimento, pelas dúvidas e conflitos,essa experiência de renascimento pode durar uma eternidade . Mas isso não é errado, apenas natural. Somos humanos imperfeitos, e isso talvez seja muito mais uma vantagem do que desvantagem, porque só por sermos assim é que podemos e queremos buscar evolução.
Para a filosofia budista, estamos vivendo, nessa vida de sonho, o samsara, a eterna roda de nascimento-vida-morte-renascimento, mas essa vida é permeada pela ilusão. Ilusão que nos aprisiona, sim, mas que acaba sendo condição fundamental para evoluir.
No fundo o budismo não é muito diferente da cabbalah, do tantra, da kundalini yoga ou mesmo do espiritismo. Essas filosofias/religiões tem muito mais pontos em comum do que separações, e todas acabam tendo um único objetivo: nos fazer enxergar que somos muito mais do que essa vida, que somos parte de algo maior, ainda que partículas infimas desse todo. Que no final das contas, somos o próprio Deus, (ou o Uno, como você prefere chamar) e por isso muito maiores do que essas dores, conflitos, apegos e sofrimentos "mundanos", maiores do que nosso pequeno ego mortal e imediatista.
Pena que internalizar tudo isso acabe sendo tão complicado para algumas pessoas, como para mim mesma.
Não faz diferença, no fim das contas, se o caminho é o budismo, o espiritualismo, o tantra, a filosofia, ou o "do it yourself". Importa é conseguir chegar lá, chegar ao ponto em que a consciência dessas verdades domine a prórpia inconsciência do samsara..

Janaina disse...

Li,

Isso se chama sincronicidade =)!!!
Feliz por ter feito o curso do Pablo, sabia que me traria muito mais do que só conhecimentos sobre cinema!

Adriana ♣* disse...

Janaina,

Muito bacana o texto.

É bem por aí mesmo....

A minha mãe é budista há 20 anos e inclusive vive dentro de um templo budista.

O caminho é árduo, mas imagino que para quem conseguiu chegar lá, deve ser um momento de grande paz.

Bjs

Adriana ♣* disse...

Oi Janaina,

Muito obrigada pela visita e pelas dicas! :)

Fiz uma introdução como você pediu citando a autoria e o endereço do blog.

Espero que tenha ficado bom... esses dias o blogue não está correspondendo muito as minhas solicitações de mudanças.

Qualquer coisa me avisa que eu mudo novamente.

Beijos,

Adriana