quinta-feira, 30 de junho de 2011

Blue Valentine - Crítica

BLUE VALENTINE ( Namorados para sempre)
Direção: Derek Cianfrance
Elenco: Ryan Gossling, Michelle Williams, Mike Voghel, John Doman, Samii Ryan, faith Wladyka
Roteiro: Derek Cianfrance, Cami Delavigne e Joey Curtis
Fotografia:Adrij Parekh


Desde seu título, Blue Valentine já nos mostra a que veio: é um filme triste, como o final de todo amor, grande ou pequeno, duradouro ou fugaz. Em seu segundo longa (o primeiro foi Brother Thied, de 1998), Derek Cianfrance nos apresenta uma fotografia do fim do amor, ainda mais convincente pelas atuações de Ryan Gosling, continuando a se firmar como um grande nome em produções indie, e de Michelle Williams, indicada ao Oscar por sua atuação e que há muito deixou para trás a adolescente problemática de Dawson’s Creek.

O longa se inicia com imagens da pequena Frankie, a filha do casal Cindy (Williams) e Dean (Gosling), chamando por Megan, o cão da família. O plano da criança entre as flores é aberto, mas a luz da cena já se apresenta como fria, sem vida. E essa será a iluminação dará a tônica de todas as cenas passadas no presente do casal.

Somos então apresentados a Dean, um Gosling envelhecido, calvo, com um olhar embaçado escondido atrás dos pesados óculos de grau, o figurino evidenciando qual é a situação de seu personagem: um homem sem perspectivas, acomodado, que foi se descuidando com o passar do tempo. Um descuido revelado pela aparência, mas refletido em sua vida, sua personalidade, sua falta de perspectivas. A única coisa que confere um pouco de vida a ele é a conexão com a filha, também é mérito de Gosling, ao transmitir com poucos olhares toda a ligação com a criança.

Com Cindy não é diferente. A primeira cena de Willians já mostra como a personagem não está à vontade naquela vida. A falta de alegria ao ser acordada pela filha e pelo marido fica evidente em seu olhar de desconforto. E desde essa cena passamos a perceber a distância existente entre eles e a miséria emocional daquela relação.

As cenas seguintes só corroboram a sensação de tristeza que permeia grande parte do filme, e o estado da relação é evidenciado pela direção, ao optar pela paleta de cores desbotada, pelo movimento incômodo da câmera, com a perda do foco do outro personagem, pelo uso dos primeiríssimos planos nos quais a câmera se concentra no rosto dos personagens de forma intensa, incômoda, causando uma sensação de claustrofobia que nos acompanhará durante praticamente todas as cenas do presente do casal.

Uma das boas sacadas do filme é nos tirar da sensação claustrofóbica ao introduzir os flashbacks, entrando na narrativa de maneira orgânica, sem cortes bruscos ou inadequados. Essas cenas são rodadas em uma película mais granulada, e a opção pela iluminação quente, além da paleta de cores mais viva onde o vermelho é uma referência constante, nos dão a sensação de aquele era um tempo mais feliz.

Os flashbacks nos ajudam ainda a compreender determinadas características daqueles personagens. Dean, um rapaz avesso à ideia de ter uma família, mas que se mostra tão dedicado a um estranho, ao se preocupar em arrumar o quarto do senhor na casa de repouso, para transformar aquele lugar frio e impessoal em algo como um lar. Cindy, a garota inteligente, idealista e sonhadora, inserida em uma numa família disfuncional, na qual a única relação onde se vislumbra o amor é com a avó idosa.

Esses relances do passado de Dean e Cindy, mesmo parecendo contrastar com a situação do presente, nos permitem enxergar além da dor e do destacamento evidente naquele casamento, vendo-os não somente como o casal que não pode mais ficar junto, mas como indivíduos complexos, nunca unidimensionais. O vazio daquela relação, a distância entre eles, a forma como vivem o momento de vida tem suas raízes em quem realmente são (ou eram) os dois jovens que se conheceram, se encantaram e, por circunstâncias inesperadas, acabaram casados.

Essas facetas das personagens se evidenciam em outras cenas no presente, como o pequeno gesto de carinho de Cindy, ao consolar Dean pela morte do cão. Ou quando ela tenta mostrar ao marido que deixou de admirá-lo porque ele perdeu a fé em si mesmo e desperdiça seu potencial e talentos, e ele responde dizendo ter escolhido a família, viver para essa família, e é feliz assim.

Vale ainda uma nota o trabalho de fotografia sobre Michelle Williams. Em diversos momentos da película ela aparece incrivelmente jovem, com um frescor não condizente com uma mulher cansada, que não consegue mais vive aquela vida.. Um frescor que nos remete à garota que sorria, sapateava na rua e sonhava em ser médica.

Interessantes ainda algumas referências do roteiro, como a suíte do motel chamada quarto do futuro, escolhida por Dean, que evidentemente quer o futuro e acredita nele.. Mas o futuro daquele casal é como a suíte: fria, sem cor, sem vida, sem esperança. Também a forma como o sexo aparece como única forma de carinho possível, tanto no passado de Cindy, ao demonstrar embaraço quando fala sobre o numero de parceiros sexuais que já teve, ou quando se entrega ao namorado atleta de maneira obviamente mecânica, como no presente de Dean, ao tentar transar com a mulher relutante e visivelmente constrangida, pergunta quanta humilhação ele ainda vai ter que suportar por um pouco de afeto.

É impossível não criar uma empatia maior com Dean, afinal ele representa o ideal romântico, lutando pelo amor no qual ainda acredita, enquanto Cindy, visivelmente, já desistiu. Mas como estamos diante de personagens tão complexos, vamos percebendo como a relação se deteriorou em virtude da ação de ambos, e enxergamos a responsabilidade também de Dean, de suas ações. Mas não há mais ou menos culpa no fim do amor. Há apenas o fim.

O filme nos conduz a um único desfecho possível, não há outra saída: a separação é inevitável. Nesse momento se revela um belo toque do diretor, quando constrói o mosaico da cena final, contrastando o momento do casamento com o da separação, jogando com a sucessão de imagens que mostram o casal feliz, com a luz que os ilumina, o rosto emocionado e radiante de Cindy, a cumplicidade da proximidade dos dois, até o momento o fim da cerimônia, quando eles saem em direção à luminosidade quase cegante do dia e desaparecem. Enquanto isso, no presente, Dean se afasta em direção ao incerto e à escuridão. Mas ao longe ainda se pode vislumbrar um pouco de luz na explosão dos fogos, o que nos dá, ao menos momentaneamente, a sensação de que nem tudo está perdido quando chega a hora do fim.

4 comentários:

Otavio Almeida disse...

Belo texto, mas a origem de todo esse sofrimento que vem do nada está na geração que cresceu ouvindo - e levando a sério - a música pop. É uma explicação meio Nick Hornby. Mas acredito nele. E as pessoas não deveriam depositar a esperança de felicidade em cima de outra pessoa. Bola pra frente, né?

Acho o filme muito baixo astral, claro. Mas esse não é o problema. Penso que ele foi muito passivo, distante. Pra acompanhar DR alheia, prefiro o cinemão completo de Sam Mendes no belo "Foi Apenas um Sonho", que também traz ótimos atores. Mas temos um bom diretor ali. Preocupado com a beleza plástica do filme e, claro, o conteúdo. O que faz toda a diferença. ;-)

Bjs!

Janaina disse...

Oi Otávio, obrigada pelo coment.
Concordo com você, inclusive escrevi também sobre isso aqui no blog ( http://minhaspalavrasaosventos.blogspot.com/2011/01/feliz-agora-e-nao-depois.html).
Mas como disse também no post anterior, para mim o que pegou no filme foi a questão da nossa dificuldade de lidar com o fim, e foi por causa disso que me animei a escrever.
Assisti Foi apenas um sonho quando saiu nos cinemas, vou rever agora com um outro olhar, depois te conto.
Abraço!

Otavio Almeida disse...

Então reveja. Acho que é possível fazer uma ligação interessante entre o desenvolvimento dos temas de "Blue Valentine" e "Revolutionary Road" para avaliar diferentes tipos de cinema.

Bjs!

Adriana ♣* disse...

Gostei da crítica!

Fiquei com vontade de assistir o filme...

;)