terça-feira, 8 de maio de 2007

Como foi que tudo começou

A idéia de escrever sobre meus pensamentos, temores e alegrias não foi exatamente uma idéia. A coisa começou por acaso, com um email enviado aos amigos em um momento em que me sentia só, distante da minha família, das pessoas que eu amava, em um país estranho e, naquele momento, hostil.
Acho que é mais do que justo que esse seja o texto que inaugura efetivamente o blog, ainda que ele pareça um pouco datado...

Saudade

Saudade é uma palavra que só existe na língua portuguesa. Mas acho que nem mesmo os portugueses a utilizam como nós, brasileiros. Percebi que temos a saudade no nosso vocabulário cotidiano porque esse sentimento está para nós brasileiros como o queijo para o vinho (analogia muito italiana...) Talvez seja pretensioso dizer que isso seja um privilegio nosso, mas sinto que somos fadados, mais do que qualquer outro povo do Novo Mundo, desde sempre à saudade. Desde sempre tivemos a vontade de voltar “pra casa”, porque somos filhos dos negros que sentiam o “banzo” de sua África mãe, filhos de portugueses (e porque não espanhóis, holandeses, franceses, e depois japoneses e italianos) que carregavam já consigo a vontade de voltar, de ver do mar o porto de Lisboa se aproximando. E também dos índios, que por sua cultura, esperam pela morte que é o retorno ao posto de onde não queriam ter partido, a Mãe-Natureza.

Temos a saudade dentro de nós há mais de 500 anos, nascemos já com a saudade ate mesmo de coisas (ou tempos) que não vivemos. Mas maior ainda é a saudade que sentimos de casa. Quem viveu a experiência de estar tão longe do verde-e-amarelo pode entender o que estou dizendo. Você passa a ver seu mundo com outros olhos, e é impossível não se tornar imensamente patriótico. Hoje olho pra trás, olho pro Brasil e consigo ver que, apesar de todos os pesares, da fome, da miséria, da política, apesar das perdas, nos temos tesouros que ninguém tem. A começar pelo nosso povo. Quando a gente esta aí, tem a “mania” de condenar a alegria do povo brasileiro, que é capaz de, no meio da maior crise econômica e social, parar por cinco dias para comemorar o Carnaval. E dizemos que o povo brasileiro não tem vontade e garra pra lutar para mudar a situação, só pra se divertir e esquecer o que se passa debaixo do seu nariz. Eu também sempre pensei assim, e continuo achando que nos falta uma força para combater, nos falta a vontade (política?). Mas isso não e culpa do nosso jeito alegre de viver, da nossa capacidade “pollyana” de ver o lado bom das coisas. Se não temos essa consciência política é culpa de um sistema que não educa o povo para pensar, e não culpa desse povo ou de sua alegria. Imaginem quando nós, com essa capacidade de superar dificuldades sorrindo, com nossa solidariedade, com a nossa alegria, tivermos acesso à informação e educação que mostrará que é possível fazer um país diferente? “Sonhar não custa nada...”.

Hoje olho os mais de dois mil anos de historia de Roma, os séculos e séculos de Firenze, os castelos de 1000 anos da Calábria e penso: O que todos esses séculos de historia ensinaram a esse povo? A ser mais tolerante? A admirar e seguir os exemplos que tiveram? A viver a vida dia após dia, a buscando uma maneira de ser feliz? A sorrir diante das dificuldades (e eles tiveram muitas)? Nada disso. Vejo um povo egoísta, intolerante, preconceituoso e sem respeito pelo passado. Sim, respeitam as obras de arte e as relíquias, mas não são capazes de respeitar seu passado recente, como por exemplo quando tiveram que partir para o Novo Mundo há 100 anos porque não tinham o que comer aqui. Tratam os imigrantes como a pior praga possível, e se esquecem que quando eles chegaram no Brasil, nos Estados Unidos, nos outros paises europeus, foram recebidos, tiveram trabalho, respeito. Sim, tiveram dificuldades, mas quem não as tem? Pergunte a um bisnonno italiano que mora no interior de São Paulo se ele quer voltar pra Itália. A resposta provavelmente será: “sim, gostaria de ver minha terra, de morrer na minha terra”. Mas pergunte se ele trocaria sua vida brasileira por uma vida em seu país. Duvido muito, depois do que eu vi aqui, se a resposta será sim. São capazes de serem intolerantes com seus próprios compatriotas, de tratarem como “estrangeiros” os italianos do sul que vão ao norte em busca de trabalho, de colocarem cartazes nos hotéis de Torino dizendo “não se aceitam cães e meridionais”, de não alugarem casas para os meridonais, de lhe pagarem menos do que vale seu trabalho (se bem que em São Paulo a coisa não é muito diferente com os nordestinos...).

Uma vida sem alegria é o que vejo aqui. As pessoas não sorriem como nós. Claro, sorriem das piadas, têm seus momentos alegres, mas não levam a vida com um sorriso no rosto, prontos pra enfrentar um outro dia. Eu sei que não se pode sorrir diante da miséria, da fome, que esses problemas que temos deveriam nos fazer chorar e não sorrir. Mas se não tivéssemos dentro de nós essa alegria inata, essa disposição pra enfrentar as coisas, seria ainda muito pior. O povo brasileiro tem uma estranha característica, estranha pra todo mundo que vê pela televisão as imagens de um país que sofre com a situação econômica, mas e capaz de acreditar ainda. Somos um povo cheio de esperança, e por isso somos estranhos...

A alegria do Brasil os fascina, e agora fascina também a mim. Meu amigo Carlo, que vai ao Brasil a cada três meses e quando volta fica deprimido até chegar a data da nova viagem, me pergunta sempre: “Che cazzo sei venuta a fare qui???????????”. Não sei a resposta, mas concordo com ele em uma coisa. Um brasileiro aqui, pouco a pouco, vai se tornando cinza, vai perdendo suas cores, seu sorriso. Só volta a brilhar se vê uma outra bandeirinha verde-e-amarela, melhor ainda se um monte delas. E claro que essa é a minha experiência, vejo as coisas assim até porque deixei o Brasil por uma escolha minha, e não porque não tinha oportunidades ai. Sei que muitos daqueles que vieram porque o Brasil não podia lhes oferecer mais nada estão bem aqui, se tem trabalho e uma vida digna (se é que trabalhar 10-12 h por dia, seis dias por semana, ganhando dois terços do que ganha um italiano, morando em um ap de 60m com mais cinco pessoas, tendo que mandar dinheiro pro Brasil e ainda pagar 10 reais numa lata de coca-cola, se pode considerar uma vida digna.) Mas no fundo, mesmo quem se deu bem sonha sempre em voltar.

Lecce-Itália, 21/01/2004

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