sábado, 9 de junho de 2007

Ainda sobre palavras

Continuando no tema das palavras, esse texto escrevi alguns meses atrás, depois de assistir À "Mais estranho do que a ficção", filme que recomendo veementemente ;-)!

Sobre "Mais Estranho que a Ficção"


"Minhas asas estão prontas para o vôo, Se pudesse, eu retrocederia Pois eu seria menos feliz Se permanecesse imerso no tempo vivo." Gerhard Scholem, Saudação do anjo


É curiosa a reação que temos com determinadas obras de arte, principalmente artes audiovisuais, quando elas vão além do papel tradicional de nos emocionar, impressionar, ou tão somente divertir. E perceber que cada pessoa tem uma reação diferente de acordo com suas vivências nos faz querer  ainda maisdividir aquela experiência com alguém.

Não sei se foi meu estado de espírito ontem que favorecia as reações que tive (não estava muito bem, estava com a "energia" meio baixa, down mesmo...), ou se realmente o filme é muito bom. Precisaria de uma outra opinião pra me ajudar a balizar as sensações.

O que importa é que no final das contas sai do cinema pensando, pensando muito, e gosto de filmes que me provocam esse tipo de reação. Acompanhar a trajetória do Harold Crick, aquele cara ultra-comum, com a vida regrada, medida, calculada, que de repente se vê envolvido na narração de sua própria vida - transformando-se em personagem daquela tragédia/comédia que se desenvolve além do que ele pode prever - me fez questionar a capacidade e o poder que temos de "escrever" nossa história. De fazer dela o que bem queremos e escolher qual o melhor final.

Ao mesmo tempo, me fez recordar um autor que me apresentaram (e do qual li apenas poucas páginas), que disse que a narrativa tem o poder de construir a história. Do que li, aprendi que os escritores, ou quem lida bem com as palavras, as pode utilizar pra construir sua própria história.

O que faço eu ao escrever sobre meus medos, anseios, vivências, senão exorcizar meus fantasmas e assim tentar construir pra mim uma nova história? Talvez tenha sido isso o que me impressionou no filme, o fato de Harold Crick - a partir do momento que percebe que sua vida esta sendo narrada e que sua morte é iminente - começar um processo que pode culminar com a mudança total de sua personagem. E como nós podemos ser capazes de fazer o mesmo e, mais importante,sem precisar ser impulsionados por um narrador dentro de nossa cabeça que pretende nos matar logo, logo...

Uns podem conseguir pela palavra escrita, apenas por ela mesma, ao colocar no papel sentimentos, desejos e sensações e , após vê-los materializados ali, na folha branca, perceber que estão "curados" ou "redimidos". Para outras pessoas passa pela consciência de seus atos e a modificação de seus comportamentos viciantes ou auto-destrutivos. De qualquer maneira que seja feita, pode significar a reconstrução da nossa própria "narrativa" e, por conseguinte, de nossa história.

Stranger than fiction... Talvez seja um dos títulos mais precisos que o cinema já criou. Mas você não vai precisar entender o porquê daquelas coisas acontecem com Harold Crick, pois sabe que as coisas que nos acontecem muitas vezes são bem mais "estranhas" do que a ficção...


"O cronista que narra os acontecimentos, sem distinguir entre os grandes e os pequenos, leva em conta a verdade de que nada do que um dia aconteceu pode ser considerado perdido para a história. Sem dúvida, somente a humanidade redimida poderá apropriar-se totalmente do seu passado. Isso quer dizer: somente para a humanidade redimida o passado é citável, em cada um dos seus momentos. Cada momento vivido transforma-se numa citation à l’ordre du jour — e esse dia é justamente o do juízo final." (Walter Benjamin)

JANAINA FERREIRA
BsB 13/02/2007

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