domingo, 3 de junho de 2007

A língua é minha pátria

Museu da Língua Portuguesa. São Paulo, junho de 2007.


Início da tarde de sábado, entro em uma sala de projeção, o Museu exibe um vídeo sobre as origens da língua. Narração da Fernanda Montenegro, uma pérola. Quando eu achava que iria continuar o vídeo, a tela sobe e nós somos convidados a entrar em um galpão, com pé-direito muito alto, e a sentar como em uma arena. Daí em diante, tudo é magia em forma de poesia. E prosa.


Vozes famosas vão penetrando em nossos ouvidos, dando som às palavras mais belas da língua portuguesa. Drummond, Camões, Bandeira. E também Monteiro Lobato, Casimiro de Abreu, Gonçalves Dias, Olavo Bilac. E Chico, Caetano, Vinicius, Tom. Tantas palavras perfeitas, atuais, belas, emocionadas. Enquanto as vozes penetram na alma, imagens se formam no alto, como no céu de um planetário. Imagens acompanhando as letras, formando-se como se formam as palavras.


Ouvir todos aqueles textos e poemas da nossa língua, acompanhados das imagens, me emocionou de uma maneira surpreendente. Enquanto escutava as frases penetravam na minha alma e me davam a consciência de como em nossa língua os sentimentos podem se transformar em imagens claras. E aqueles sentimentos me inundavam,  transbordavam nas lágrimas que não conseguia conter, diante de tanta beleza.


As Canções do Exílio trouxeram de volta os sentimentos vividos ao estar longe de casa, da minha pátria. Se a língua é minha pátria, como diz Caetano, eu tenho pátria: a língua portuguesa, falada no Brasil, de preferência.


As visões do amor, de Camões e Drummond, uma seguida da outra, mas com um espaço de alguns séculos entre elas, pareciam ter sido escritas ao mesmo tempo, num mesmo momento.


E Graciliano Ramos, que teve que descrever a morte da Baleia... Eu fechava os olhos e via claramente a cena, a cachorrinha que corria num céu cheio de preás. E, novamente às lagrimas, pensei que até na descrição da morte de um cão a poesia era transbordante.


De repente uma voz infantil começa a explicar o que é a vida. Lembrei da minha infância, quando li aquelas palavras pela primeira vez:


"A vida, Senhor Visconde, é um pisca – pisca.
A gente nasce,isto é,começa a piscar.
Quem pára de piscar, chegou ao fim, morreu.
Piscar é abrir e fechar os olhos – viver é isso.
É um dorme-e-acorda, dorme-e-acorda, até que dorme e não acorda mais.[...]
A vida das gentes neste mundo, senhor sabugo, é isso.
Um rosário de piscadas. Cada pisco é um dia.
Pisca e mama ;
pisca e anda ;
pisca e brinca ;
pisca e estuda ;
pisca e ama ;
pisca e cria filhos ;
pisca e geme os reumatismos ;
por fim pisca pela última vez e morre.
-E depois que morre – perguntou o Visconde.
- Depois que morre, vira hipótese. É ou não é?"


A imensa sabedoria da boneca de pano criada por Monteiro Lobato sempre me acompanhou e a última frase desse trecho não consegui esquecer. A Emília foi a primeira heroina da minha vida,  nunca deixei de sonhar com as histórias da boneca criada pela mão de gênio de Monteiro Lobato, cujos livros foram meus maiores companheiros de infância.


Então entendi o porquê da minha emoção incontida: as palavras estão impregnadas na minha alma desde muito cedo e ali,  no Museu, ouvindo/sentindo aquela experiência sensorial, percebi o quanto sou privilegiada por conseguir transformar sentimentos em letras na minha pátria, a língua portuguesa.


Visite o Museu da Língua Portuguesa: http://www.estacaodaluz.org.br/


Janaina Ferreira
São Paulo, junho de 2007.