domingo, 10 de junho de 2007

Eros e Psique


Conta a lenda que dormia 
Uma Princesa encantada 
A quem só despertaria 
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.

Ele tinha que, tentado, 
Vencer o mal e o bem, 
Antes que, já libertado, 
Deixasse o caminho errado 
Por o que à Princesa vem.

A Princesa Adormecida, 
Se espera, dormindo espera, 
Sonha em morte a sua vida, 
E orna-lhe a fronte esquecida, 
Verde, uma grinalda de hera.

Longe o Infante, esforçado, 
Sem saber que intuito tem, 
Rompe o caminho fadado,
Ele dela é ignorado, 
Ela para ele é ninguém.

Mas cada um cumpre o Destino 
Ela dormindo encantada, 
Ele buscando-a sem tino 
Pelo processo divino 
Que faz existir a estrada.

E, se bem que seja obscuro 
Tudo pela estrada fora, 
E falso, ele vem seguro, 
E vencendo estrada e muro, 
Chega onde em sono ela mora,

E, inda tonto do que houvera, 
À cabeça, em maresia, 
Ergue a mão, e encontra hera, 
E vê que ele mesmo era 
A Princesa que dormia.



Fernando Pessoa

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