segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Ausências



Saudade é uma palavra que só existe na língua portuguesa. Em inglês, em francês, em italiano, em espanhol, em alemão, a gente sente falta.
I miss you.
Mi manchi.
Tu me manques.
Ich vermisse dich
Não sei, mas tenho a impressão que a falta dói menos que a saudade...

Porque você pode sentir falta de dinheiro, falta de tempo, falta de fome, falta de sono. Mas não sente saudades de nada disso.

Para mim, tanto aquela falta dos demais idiomas quanto a saudade tem uma causa comum: ausência. Porque a gente está longe e estão ausentes - os amigos, a familia, a cidade. Porque passou e, portanto, ausente está aquele tempo em que parecíamos mais felizes. Porque a juventude já não está, se perdeu na curva do caminho.
Mas aquela ausência que mais dói é a do amado, seja porque o amor já se foi ou porque o amado está longe. Essa dói tão profundamente que não há como escapar da imensa saudade. Mesmo que seja saudade assimilada.
Alguém poderá dizer que só temos o agora, então saudade ou ausência não importam, são ilusões. Vou ter que discordar.  Mesmo que existisse somente o agora, o tempo presente,  ainda assim nosso coração guardaria as emoções daquele sorriso, daquele beijo, daquele gesto, do toque das mãos. E é dessas memórias que vem a saudade e aquela fisgada de dor da ausência de tudo o que foi e se foi.
Pensando sobre saudade e sobre ausência, reli esses dois poemas, duas formas de sentir a ausência. Mas acho que no fundo falam de uma só saudade...

Ausência
(Vinícius de Morais)
 
Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces.
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado.
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada.
Que ficou sobre a minha carne como nódoa do passado.
Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face.
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada.
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite.
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa.
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço.
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos pontos silenciosos.
Mas eu te possuirei como ninguém porque poderei partir.
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas.
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.

Ausência
(Carlos Drummon de Andrade) 
Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.

Imagem: http://biarouquentin.blogspot.com/2010_05_01_archive.html
 

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